Wikie, a orca que diz “olá” – estudo mostra capacidade de imitação do discurso humano

Cientistas estudam as formas de aprendizagem social destes cetáceos através da capacidade de imitar. Desafiaram Wikie com sons novos: "‘Olá’ não [é] algo que uma baleia assassina diria”.

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Uma orca no parque de diversões Sea World de San Diego MIKE BLAKE/Reuters

Uma orca de 14 anos chamada Wikie foi ensinada por cientistas a imitar a fala humana numa experiência que gravou o cetáceo a imitar palavras como “hello” (olá), “bye bye” (adeusinho) e os números um e dois – “one, two”. O animal, que já foi alvo de treino para outras experiências, surpreendeu os cientistas, pela proximidade dos sons que emitiu através do seu espiráculo (o orifício no cimo da cabeça) com o discurso humano.

Além das saudações e despedidas em inglês, Wikie foi também instigada a copiar o nome feminino “Amy”, o que fez com sucesso, e a juntar o três à sua contagem “um, dois”. Também produz assobios agudos e o som de “bufar”. “Queríamos ver quão flexível pode ser uma orca a copiar sons”, explicou Josep Call, um dos cientistas envolvidos no estudo, ao Guardian. Professor que se debruça sobre as origens evolutivas da mente, acrescentou: “Pensámos que o que seria verdadeiramente convincente seria apresentar-lhes algo que não está no seu repertório – e neste caso, ‘olá’ não [é] algo que uma baleia assassina diria”.

O objectivo da experiência não era conseguir uma imitação dos humanos, mas sim parte do estudo sobre as formas de aprendizagem das baleias no seu habitat natural e sobre como comunicam em diferentes ambientes. Por isso mesmo, a fêmea Wikie foi confrontada com sons de outras orcas, bem como com palavras proferidas pela sua treinadora, que a convidou a replicar. A sua cria, Moana, de três anos, foi ensinada a usar um conjunto de sons únicos que depois serão partilhados com Wikie para estudar a forma como comunicam e entendem esses sinais.

O estudo, Imitation of novel conspecific and human speech sounds in the killer whale (Orcinus orca), de José Z. Abramson, Maria Victoria Hernández-Lloreda, Lino García, Fernando Colmenares, Francisco Aboitiz e Josep Call, foi publicado esta quarta-feira na revista científica Proceedings of the Royal Society B. Os seus autores são da Universidade Complutense, de Madrid, da Pontificia Universidad Católica de Chile e da Universidade de St. Andrews, de Fife (Reino Unido).

“A imitação vocal é uma marca da linguagem humana falada que, em conjunto com outras competências cognitivas avançadas, alimentou a evolução da cultura humana”, resumem os cientistas, sublinhando que a capacidade de aprender ao copiar sons vocais “é quase exclusivamente humana entre os primatas” e que existe em alguns pássaros e mamíferos. Foram identificados dialectos específicos a certos grupos de orcas, algo que os peritos classificam como “notável” e que podem ser resultado de uma aquisição não-genética.

Wikie fez várias imitações reconhecíveis de todos os sons humanos familiares e de outros novos durante os testes e “relativamente rápido” – “a maior parte durante os primeiros dez testes e três à primeira tentativa”, detalham os autores do estudo no resumo do mesmo. “As nossas conclusões apoiam a hipótese de que as variantes vocais observadas nas populações naturais desta espécie podem ser aprendidas socialmente através da imitação”, dando espaço à ideia de “tradição” nas comunidades das chamadas baleias assassinas.

Outros animais do grupo destes mamíferos do mar, os cetáceos, como as baleias beluga ou os golfinhos roazes, são conhecidos por imitar sons com os quais contactem. As orcas distinguem-se pelas suas grandes dimensões e dorso negro e barriga branca – podem chegar às nove toneladas de peso e fêmeas e machos oscilam entre os 8,5 e os dez metros de comprimento. Segundo se discute no estudo, as orcas já são conhecidas por imitar os movimentos e comportamentos de outras orcas. Outros estudos anteriores indicam que estes mamíferos poderão ter a capacidade de imitar belugas ou leões marinhos.  

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O espectograma das vocalizações Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences

A orca Wikie habita o Marineland Aquarium em Antibes, França, e a experiência passada com os cientistas noutros testes dera-lhe já a capacidade de reconhecer a ordem para “copiar” algo – um comportamento, um som. Os sons, o foco desta experiência, são produzidos através do espiráculo. “As orcas usam o seu espiráculo para produzir ruídos, quase como falar pelo nariz”, detalhou Abramson ao diário britânico The Independent. “Por isso, não esperávamos que fossem [sons] perfeitos. Mas ficámos surpreendidos por quão parecidos foram”. Esta capacidade, fora dos humanos, é “muito rara”, nota Josep Call na BBC. Os sons gravados e agora partilhados de Wikie foram produzidos com a orca na água, mas com a cabeça e o espiráculo fora da água.

Para José Abramson, “é concebível” que um dia possam manter-se “conversas” muito básicas com Wikie – “se tivermos rótulos, descrições do que são as coisas [referidas]”, explicou à BBC com base em experiências prévias com papagaios ou golfinhos e linguagem gestual. Mas, avisou, “ganharemos mais se tentarmos compreender a forma natural como uma espécie comunica no seu próprio ambiente do que se tentarmos ensinar-lhe a linguagem humana”.

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