Listas transnacionais: Governo e PS à deriva

Há uma coisa que pode já concluir-se: o PS e o seu Governo têm duas caras. Uma, na frente nacional; outra, nos fóruns europeus.

1. Os sinais que o Governo português e o PS continuam a dar sobre a adopção de listas transnacionais e a criação de um círculo eleitoral europeu são cada vez mais contraditórios e confusos (para lá de alarmantes, em vista do que julgo ser o interesse nacional e até o interesse europeu). Faz hoje precisamente uma semana, foi votado na Comissão de Assuntos Constitucionais o relatório sobre a composição do Parlamento Europeu (PE), de que eram co-relatores a deputado polaca do PPE, Danuta Hübner, e o deputado socialista português, Pedro Silva Pereira. Nesse relatório – embora abusivamente, como abaixo explicarei – figuram uma série de parágrafos que fazem um apelo político à adopção das listas transnacionais e procuram conformar a sua disciplina. O deputado do PS e o Partido Socialista Europeu votaram, sempre que isso estava em causa, a favor das listas transnacionais. E com este voto, deu-se mais um sinal errante e errado à diplomacia europeia. Afinal, o Governo português – que é um Governo unicamente composto pelo PS – é contra ou a favor da criação das listas transnacionais? O primeiro-ministro Costa diz que sempre fora contrário às listas; depois, em Roma, assina uma declaração, com mais 6 estados, que é manifestamente favorável; a seguir, em Lisboa, esclarece que a declaração não é categórica e, por isso, ele, primeiro-ministro, mantém-se contra; finalmente, no primeiro voto disponível, e já em Bruxelas, o PS – ainda por cima pela mão de um co-relator – revela-se ostensivamente a favor. Em que ficamos? Nas intenções de Roma, nas afirmações de Lisboa ou nos votos de Bruxelas? Nos corredores do Parlamento e do Conselho é cada vez mais firme a convicção de que o governo português diz uma coisa em Lisboa, mas acabará a fazer outra em Bruxelas. E com tanta ambiguidade, falta de clareza e até desinformação, há uma coisa que pode já concluir-se: o PS e o seu Governo têm duas caras. Uma, na frente nacional; outra, nos fóruns europeus.  

 

2. Como o assunto nem sempre é seguido com atenção, convém fazer alguma pedagogia. Antes do mais, dizer que o relatório sobre a composição do PE nada tem a ver, ao menos directamente, com a criação de listas transnacionais. A criação destas é do puro domínio do direito eleitoral. Os assuntos de sistema eleitoral estão fora do perímetro daquilo que se convencionou chamar “composição do PE”. A matéria da chamada “composição” trata apenas da distribuição de lugares por cada Estado. Cura unicamente de determinar quantos deputados tem cada Estado em cada legislatura. Está aqui em causa saber quantos deputados elegerá cada país para a legislatura que vai de 2019-2024. Esta é que é a substância do relatório e, de resto, a única que tem relevância jurídica, já que a decisão do Conselho Europeu sobre a matéria só pode ser tomada sob proposta do PE. Este relatório, se vier a ser aprovado no plenário, consubstanciará justamente a proposta formal do PE submetida ao Conselho, que a pode depois modificar e que, de seguida, terá de ser de novo aprovada pelo PE.

 

3. A respeito da proposta de composição que foi aprovada para ir a debate e voto a plenário para a semana – e só desta! –, ela merece aplauso. Do ponto de vista nacional, garante que Portugal não perde nenhum deputado; do ponto de vista europeu, assegura pela primeira vez o cumprimento do princípio da proporcionalidade degressiva previsto no Tratado de Lisboa e ainda poupa 46 lugares (que ficam vagos) para futuros alargamentos. Não se trata de nenhum milagre; cura-se até de algo que tem um mérito relativo: só foi possível, porque com a saída do Reino Unido, ficaram livres 73 dos 751 lugares. Não é um feito extraordinário, como aqui expliquei a 4 de Janeiro: com a saída de 73 deputados, só faltava que Portugal ou qualquer outro país pudesse perder mandatos.

Feito muito relevante, esse sim, foi o facto de se ter evitado a adopção de uma fórmula matemática permanente que definisse a repartição de lugares para as futuras legislaturas. E não faltavam emendas nesse sentido que, salvaguardando as próximas eleições, iriam provocar perdas para Portugal e outros países médios e pequenos a partir de 2024. Veremos o que diz o plenário do PE e do Conselho, mas, neste plano, o começo é auspícioso.

 

4. A cavalo desta matéria – a única que tinha de ser tratada – surgiram os parágrafos sobre listas transnacionais, que, neste preciso relatório, têm mero valor político. Sou convictamente contra as listas transnacionais, pelas razões que tantas vezes adiantei. E, por isso, com o grosso do Grupo PPE votei contra tais cláusulas. Os deputados são livres, podem ser contra ou a favor e não têm de seguir a sua delegação nacional, o seu grupo parlamentar ou até o seu Governo. Mas como é óbvio têm de se explicar e de falar claro. E quer se queira quer não, quando um deputado destacado do PS português, ainda por cima com o encargo de co-relator, vota a favor, isso dá uma indicação e cria uma percepção sobre o posicionamento do Governo português. Neste momento, o PS e o Governo português mostram uma enorme desorientação e alimentam conscientemente a ambiguidade e a confusão. E até hoje, a Assembleia da República – que é quem tem a competência legislativa eleitoral – continua sem ser tida nem achada. É bem caso para dizer que, num assunto tão sério para a nossa posição institucional na Europa e para o balanço e o equilíbrio das instituições europeias, o binómio PS-Governo anda à deriva.

 

 

 

NÃO. Vitimização de Lula. O ataque à justiça no Brasil é, ele sim, um ataque à democracia. Nada o autoriza. Outra coisa é o deserto político que se seguirá à operação “mãos limpas” do séc. XXI.  

 

NÃO. Eleições checas. A reeleição do Presidente Zeman é uma má notícia para a Europa. Reforça a deriva anti-europeia do grupo de Visegrado e dificulta a onda reformista que se espera.

 

 

 

 

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