O TC foi um activista anti-troika? Porta-voz centrista diz que sim

Tese de mestrado do centrista João Almeida conclui que a arquitectura institucional portuguesa e a maior dureza das medidas levaram a um “activismo judicial” do tribunal contra o Governo.

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Nuno Ferreira Santos

O Tribunal Constitucional teve uma acção de nítido “activismo judicial” no tempo da troika quando analisou pedidos de fiscalização abstracta de medidas do Governo PSD/CDS e as considerou, na sua maioria, inconstitucionais. Ou seja, os juízes do Palácio Ratton tiveram uma posição activista sobre as políticas do executivo, recusando boa parte delas, o que levou a um “conflito permanente entre a maioria parlamentar que apoiou o Governo e o Tribunal Constitucional” e determinou até uma “instabilidade legislativa”.

Quem o diz é o centrista João Almeida, que apresentou esta segunda-feira a sua tese de mestrado subordinada ao tema “Separação de poderes, judicial activism e judicial restraint nos programas de ajustamento: Portugal versus Irlanda”, coordenada pelo também deputado Paulo Trigo Pereira, do PS. Na tese, o deputado tenta analisar a forma como os tribunais de topo reagiram perante as políticas do governo ditadas pela troika. E conclui que, na comparação entre os dois países, a Constituição portuguesa abre muito mais a porta ao recurso ao TC do que a irlandesa e isso pode também ter facilitado a existência de um papel nitidamente mais activo deste tribunal.

Portugal e Irlanda tiveram programas de ajustamento muito semelhantes, quase coincidentes no tempo, e ambos tinham até iniciado algumas medidas emblemáticas, como o corte dos salários da função pública, ainda antes da acção tripartida do Fundo Monetário Internacional (FMI), Comissão Europeia (CE) e Banco Central Europeu (BCE). “As medidas foram aprovadas em ambos os países pelos respectivos governos e parlamentos, sem problemas. A grande diferença verificou-se na concretização dessas medidas”, aponta João Almeida na tese. A que se deveu essa diferença? A uma maior dureza das medidas em Portugal, a uma atitude mais “activista dos juízes portugueses ou devido às diferenças da arquitectura institucional? – foram as questões que lançaram a investigação.

Embora na tese se afirme que não foi possível analisar a hipótese de uma natureza mais activista dos juízes portugueses porque os juízes irlandeses do Supremo Tribunal não foram chamados a intervir, ao PÚBLICO João Almeida disse ser de opinião que “houve efectivamente uma atitude e uma intervenção bastante activista dos juízes do TC” até porque a “esmagadora maioria [dos acórdãos] foi decidida negativamente [contra o Governo]”, o que motivou o tal “conflito permanente entre o TC e o executivo.

João Almeida procura apoio para a sua posição nas opiniões dos constitucionalistas Gonçalo de Almeida Ribeiro e Paulo Mota Pinto, que “já se pronunciaram sobre os excessos” das apreciações do TC, e de Jorge Reis Novais “que também não nega o activismo”. “É pacífico que foi uma atitude activista”, insiste o centrista.

Dos oito acórdãos do TC entre 2010 e 2013 (o primeiro ainda antes da troika mas sobre agravamento fiscal), apenas três tiveram a decisão de “não inconstitucional”, tendo os restantes considerado parcialmente ou totalmente inconstitucionais as medidas analisadas. A que se soma o facto de apenas um dos acórdãos ter sido decidido por unanimidade, ao passo que os restantes tiveram votação dividida.

Já no caso irlandês, é impossível fazer esta apreciação: não houve casos de recurso ao Supremo Tribunal da Irlanda. A única medida considerada “potencialmente problemática” à luz da constituição – o corte no salário dos juízes – foi resolvida com uma emenda ao texto fundamental aprovada pelas duas câmaras do parlamento irlandês e por um referendo, descreve o actual porta-voz do CDS-PP. Na Irlanda, tem assento no Conselho de Ministros um procurador que faz uma pré-avaliação das normas ali decididas, conta João Almeida. E soma ainda as diferenças do contexto político-institucional: enquanto em Portugal os sindicatos marcaram greves sucessivas, a Irlanda teve dois acordos de concertação social para aprovação prévia dos cortes da função pública e o programa de assistência irlandês teve um apoio superior a dois terços do parlamento, afirma o centrista.

É, por isso, na chamada “arquitectura institucional” que estará a explicação: na Irlanda apenas o Presidente da República pode pedir a fiscalização abstracta de uma norma, ao passo que em Portugal esse poder pode ser exercido pelo Presidente, pelo presidente do Parlamento, primeiro-ministro, provedor de Justiça, procurador-geral da República, vários órgãos das regiões autónomas e um décimo dos deputados à Assembleia da República.

Sobre a hipótese de as medidas terem sido mais duras em Portugal, João Almeida centrou-se numa política comum aos dois países: o corte de salários da função pública. E desta análise de pendor económico percebeu que “em Portugal o esforço foi superior mas não por um diferença significativa” – a redução acumulada da despesa com pessoal da administração pública foi de 13,5% na Irlanda (2008-2014) e de 17,6% em Portugal (2010-2015).

Ao PÚBLICO, o deputado centrista que foi também secretário de Estado da Administração Interna de Passos Coelho entre 2013 e 2015, admite que o desafio de investigar sobre um tempo em que também participou no executivo foi um “risco acrescido e um desafio para superar: fazê-lo com total independência e conseguir separar muito bem o que é um posicionamento político e uma investigação académica”. O facto de o orientador da sua tese ser o actual deputado independente eleito pelo PS, Paulo Trigo Pereira, é possível que tenha ajudado a contrabalançar.

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