Descentralizar: o consenso adiado

Esta é uma daquelas ideias que todos são capazes de defender, sobretudo em época de autárquicas, e que quase ninguém é capaz de a praticar

A descentralização não pode ser uma guerra entre Lisboa e o Porto, o Norte e o Sul ou entre o litoral e o interior, como afirmou Nuno Magalhães na abertura das jornadas do CDS, numa alusão a Rui Rio, que questionara o porquê da instalação da Google em Oeiras. O discurso contra a centralização do Estado é uma antiga convicção do novo líder do PSD e talvez a sua característica mais irritante para quem continua a defender a descentralização política e administrativa em público e que ainda assim a continua a recusar em privado. E são muitos.

Durante a presidência da Câmara do Porto, Rui Rio tentou forçar o El Corte Inglés a instalar-se na baixa da cidade, em detrimento da Boavista, e o que aconteceu foi que a empresa se acomodou em Vila Nova de Gaia. No caso da Google, e embora desconhecendo-se as negociações entre o gigante norte-americano e o Governo, a intenção da empresa é independente de qualquer intenção política. Uma empresa pode necessitar de infraestruturas que só existem num grande centro urbano e que impeça que a mesma se instale noutro local. O que não deixa de ser um exemplo malicioso do efeito centrípeto de um Estado centralizado.

La Palice não diria melhor: Portugal e a Grécia são os países da União Europeia mais centralizados; os estados mais desenvolvidos do planeta são também os mais descentralizados; a descentralização aproxima o poder dos cidadãos e contribui para que as políticas públicas tenham em conta a realidade diversa do território, etc. Esta é uma daquelas ideias que todos são capazes de defender, sobretudo em época de autárquicas, e que quase ninguém é capaz de a praticar. É um verbo de encher nos programas e nos discursos partidários, mas de pouco consistência e quase nenhuma execução.

A descentralização figura no programa do Governo, que tem no Parlamento uma proposta de lei há quase um ano, e que tem sido anunciada por Eduardo Cabrita como prioridade política (a par da reorganização territorial). Mas, na verdade, nestes dois primeiros anos de legislatura, a descentralização pouco ou nada avançou e estamos longe do consenso entre o PS e o PSD para um acordo de regime nesta matéria, como pede Marcelo Rebelo de Sousa. Como também não estamos próximos de um acordo entre a esquerda. Um país mais descentralizado só pode ser um país mais democrático. Alguém duvida disso?

 

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