Refugiados de 11 "países de alto risco" já podem voltar a tentar entrar – mas serão mais escrutinados

Administração Trump levantou o "travel ban" de 90 dias mas promete mais segurança. “Escrutinar ainda mais pessoas simplesmente com base no país de onde vêm é discriminatório e arbitrário", diz Amnistia Internacional.

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Trump na Suíça, com o jornal que lhe dá as boas vindas ao país na mão LAURENT GILLIERON/EPA

Os Estados Unidos vão levantar a polémica proibição de entrada de refugiados de 11 países que entrou em vigor em Outubro de 2017, findo o período de 90 dias de suspensão do já demorado processo de avaliação norte-americano. Mas os cidadãos dessas nações enfrentarão controlos mais apertados à entrada, avisou a Casa Branca – e queixaram-se as organizações de defesa dos direitos humanos.

Os EUA nunca especificaram quais os países visados nesta segunda leva do “travel ban” contra a aceitação de refugiados da presidência de Donald Trump (que nesta terça-feira profere o seu primeiro discurso do Estado da União), alvo de vários processos judiciais. Mas os países que suscitam medidas adicionais de segurança têm sido identificados como o Egipto, Irão, Iraque, Líbia, Mali, Somália, Sudão do Sul, Sudão, Síria, Iémen e Coreia do Norte – sobretudo países do Médio Oriente, do centro de África e muçulmanos.

Reduziu-se drasticamente o número de aceitação de pedidos de asilo de naturais destes países durante os 90 dias anunciados para a revisão por motivos segurança. Esta semana foi dada a ordem para o fim do “travel ban” com um anúncio na Casa Branca, feito à imprensa por um responsável que não quis ser identificado.

“O big picture é que já não existe uma pausa quanto aos refugiados de [certos] países, incluindo os 11 de alto risco”, frisou o responsável. Serão introduzidas novas medidas de segurança para evitar que o programa seja explorado "por terroristas, criminosos e burlões".

A secretária do Departamento de Segurança Interna, Kirstjen Nielsen, citada pela agência Reuters, disse esperar que as mudanças agora introduzidas “não só melhorem a segurança mas, mais importante [que isso], ajudem a avaliar melhor verdadeiros refugiados que fogem de perseguição”.

Os novos controlos incluem, ainda segundo a Reuters, verificações de segurança sobre algumas pessoas desses 11 “países de alto risco” e revisões regulares dessa lista de países. O processo de avaliação de candidaturas de refugiados para entrada nos EUA é já muito moroso e pode demorar cerca de dois anos a ser concluído. Envolve verificações do perfil do indivíduo por diversas agências de segurança, entrevistas ao próprio e familiares em diferentes ambientes, análises físicas como da retina e outros processos clínicos.

As palavras dos responsáveis governamentais de Washington e o levantamento da proibição não tranquilizaram entidades como a Amnistia Internacional ou o International Rescue Committee (IRC), uma organização não-governamental que se dedica ao apoio humanitário em torno de crises. “Juntar ainda mais obstáculos a um processo já excessivamente burocrático vai sobrecarregar aqueles que procuram segurança para si e para as suas famílias”, lamentou Ashley Houghton, gestora estratégica do braço americano da Amnistia Internacional, citada pelo diário britânico Guardian. “Escrutinar ainda mais pessoas simplesmente com base no país de onde vêm é discriminatório e arbitrário e só deixará pessoas expostas a violência e perseguição inimaginável sem um lugar para onde fugir.”

Já Hans Van de Weerd, um dos responsáveis pelo IRC, disse ao New York Times que “esta Administração escolhe desproporcionadamente como alvo os muçulmanos” e lamentou: “O anúncio de hoje [segunda-feira] não muda as coisas para melhor”. Na mesma linha, Kevin Appleby, responsável pela área de políticas de migração no Center for Migration Studies, apontou sem hesitações: “Instituindo uma análise baseada em risco para determinar a admissão de refugiados, a Administração [Trump] está basicamente a implementar uma proibição de refugiados muçulmanos sem o dizer”.

Ao mesmo jornal, o presidente da agência HIAS, que se ocupa da reinserção social de vítimas de crises humanitárias, lembrou que as novas medidas podem também afectar os cristãos do Médio Oriente e que alguns refugiados recentemente autorizados a entrar nos EUA assim não poderão reunir-se com familiares que aguardem ainda a possibilidade de viajar para os Estados Unidos. A Reuters detalha que os responsáveis que falaram à imprensa sobre as novas medidas de segurança garantiram que os refugiados não serão impedidos de entrar nos EUA apenas com base na sua nacionalidade.

A pausa de três meses nas entradas de refugiados foi apenas uma das facetas de um ano de presidência Trump, que significou também que o número total de refugiados que podem entrar nos EUA durante 2018 é metade do que aquele que foi pela última vez fixado pelo seu antecessor, Barack Obama, para 2017 – 45 mil pessoas, contra as 110 mil pessoas potencialmente admitidas pela anterior Administração. Não se trata apenas de metade do ano anterior, mas do número mais baixo desde que os EUA limitaram essa cifra em 1980.

Entretanto, em Dezembro, Donald Trump retirou também os Estados Unidos do pacto global de protecção dos direitos dos refugiados e migrantes assinado em 2016 pelos 193 países da Assembleia Geral das Nações Unidas 

A Reuters indica que nestes últimos três meses entraram 46 refugiados dos 11 “países de alto risco” nos EUA, 23 dos quais graças à intervenção de um juiz de Seattle que decidiu que pessoas com laços já formados com o país poderiam ser autorizadas a entrar. Nos últimos três anos, detalha a BBC, de todos os refugiados que entraram no país, mais de 40% vieram dos 11 países sinalizados.

O Cato Institute, um think tank conservador que defende a paz internacional e a intervenção limitada do Governo, revelou há um ano as conclusões de uma sua análise que indica que nenhum refugiado residente nos EUA esteve alguma vez envolvido num atentado terrorista desde a criação das regras e tectos máximos de entrada em 1980, embora cidadãos iranianos, sudaneses, iraquianos ou somali tenham sido condenados por planear ou tentar um ataque. Nenhum sírio, por exemplo, é mencionado nessa lista, embora Trump tenha aludido ao facto de que os refugiados da guerra na Síria “podem ser do Estado Islâmico”.

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