Câmara manda despejar prédio em Arroios ocupado desde Setembro

Assembleia de Ocupação de Lisboa ocupou prédio municipal para alertar para os problemas da habitação na cidade. Grupo estava a preparar um programa de rendas acessíveis alternativo ao da autarquia.

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O prédio foi ocupado a 15 de Setembro, em plena campanha para as eleições autárquicas Sebastião Almeida
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O prédio foi ocupado a 15 de Setembro, em plena campanha para as eleições autárquicas Sebastião Almeida
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O prédio foi ocupado a 15 de Setembro, em plena campanha para as eleições autárquicas Sebastião Almeida
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O prédio foi ocupado a 15 de Setembro, em plena campanha para as eleições autárquicas Sebastião Almeida

O n.º 69 da Rua Marques da Silva, junto à Avenida Almirante Reis, deixou de ser um prédio ocupado. Na manhã desta terça-feira, a Câmara Municipal de Lisboa procedeu à desocupação do imóvel que tinha sido ocupado em Setembro em protesto contra o avanço da “especulação imobiliária”, o aumento das rendas e do preço das casas que têm empurrado as pessoas para fora da cidade.

Pelas 10h00, a polícia “arrombou a porta, expulsou a pessoa que estava lá a dormir”, referiu Tiago Duarte, membro da Assembleia de Ocupação de Lisboa (AOLx). Do imóvel, que é propriedade da autarquia, foram depois retirados alguns móveis e um colchão pelos serviços municipais, seguindo um despacho com a ordem de despejo, assinado pelo vereador do Urbanismo, Manuel Salgado. 

“O regulamento da câmara diz que tem de haver uma notificação de 90 dias úteis que eles não apresentaram. Até agora, não há qualquer documento que justifique isto”, referiu o também doutorado em Sociologia. 

Na altura da ocupação, quando o PÚBLICO visitou o espaço devoluto, um grupo de cerca de 20 pessoas tratava da limpeza do entulho acumulado e garantia que edifício estava em boas condições do ponto de vista estrutural. Com a ocupação, o objectivo era retirar aquele prédio “das malhas da especulação” e transformar um “espaço desocupado” num local “aberto à comunidade”.

Segundo explicou Tiago Duarte, ao longo destes meses, o grupo foi fazendo algumas obras de renovação no imóvel. “Já gastámos vários milhares de euros a renovar o telhado e alguns apartamentos”, disse. Ao todo o prédio tem seis fogos. A AOLx estava a desenhar um programa de arrendamento “para habitação própria e permanente, com aplicação de rendas acessíveis, inferiores às praticadas no mercado de arrendamento privado e no Programa de Renda Convencionada”. De acordo com o programa dos activistas, cada apartamento seria arrendado por 80 euros mensais.

De acordo com a informação disponível no site do Programa Quota de Habitação Comum – assim lhe chamaram – dirige-se “a pessoas singulares e agregados (por agregado não se entende apenas o agregado familiar, mas qualquer proposta conjunta de ocupação da habitação) em situação de carência habitacional que se encontram fora da abrangência do Regime de Acesso a uma Habitação Social Municipal, no âmbito do regulamento em vigor, mas cujos rendimentos também não lhes permitem aceder ao mercado privado de arrendamento nem ao Programa Renda Convencionada”.

Este programa, que é simplesmente uma proposta, pressupõe a existência de um protocolo entre a autarquia e uma assembleia composta pelos ocupantes do espaço, que se encarregaria de fazer a gestão das rendas e a manutenção dos espaços. 

O programa ia ser anunciado na quarta-feira, mas foi, entretanto, divulgado online. Na segunda-feira, adiantou Tiago Duarte, a AOLx enviou uma carta endereçada ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, a pedir uma reunião. “Ao longo deste tempo todo, tentámos falar com a câmara municipal, mas nunca nos deu qualquer resposta”, sublinhou Tiago Duarte.

O deputado municipal do Bloco de Esquerda, Tiago Ivo Cruz, considerou que esta acção da Câmara de Lisboa “é uma violação grave e um autoritarismo do vereador Salgado”. “Segundo o regulamento, [a autarquia] seria obrigada a apresentar primeiro o despacho do vereador responsável pela decisão, o dia e a hora em que iriam realizar esta acção com uma antecedência de 90 dias. Nada disso foi realizado, alegando que se trata de património disperso e que, por isso, a câmara pode tomar conta do assunto”, referiu. 

Segundo explicou Tiago Ivo Cruz, a desocupação do imóvel estará relacionada com o decurso das obras do jardim do Caracol da Penha. Obras que, segundo o deputado municipal, “não têm agenda, nem orçamento dentro dos serviços para avançarem”. 

“3878 casas da CML vazias. Ainda mais uma”

Ao início da tarde, a AOLx dirigiu-se para os Paços do Concelho para exigir uma reunião com o vereador Manuel Salgado. O grupo seguiu depois para a Assembleia Municipal de Lisboa. A reunião já ia bem adiantada quando umas 15 pessoas irromperam pelas galerias e desenrolaram duas grandes tarjas, onde se podia ler “E o despacho? Ficou no carro!” e “3878 casas da CML vazias. Ainda mais uma”.

Mal viu o grupo, Helena Roseta suspendeu os trabalhos e pediu-lhes que parassem a manifestação. “Basta de despejos!”, gritou um homem. “Não podem despejar as pessoas ilegalmente. As pessoas têm de ouvir isto, a cidade está a ser despejada”, argumentou outro. A presidente da assembleia municipal decidiu então tomar o assunto nas próprias mãos, levantando-se e dirigindo-se à bancada. “Estou-vos a pedir educadamente que retirem as vossas tarjas. Já fizeram o boneco para os jornais”, disse Roseta, que ainda evitou, num primeiro momento, que os agentes da polícia municipal interviessem. As tarjas acabaram por ser retiradas e a reunião foi retomada. 

No fim, já com os deputados e vereadores de pé, uma das pessoas do grupo interpelou a câmara. “Com que base legal foi feito o despejo da Rua Marques da Silva, 69? Onde é que está o despacho de despejo, sr. vereador Manuel Salgado? Sr. Manuel Salgado, pode sair do Facebook?” O vereador do Urbanismo manteve-se impassível a mexer no telemóvel. Pouco depois, saiu da sala calmamente por uma porta lateral. 

Num comunicado enviado ao final da tarde de terça-feira, a Câmara de Lisboa esclareceu que o prédio é propriedade municipal desde 1982. Segundo adianta a autarquia, a Polícia Municipal deslocou-se ao local no dia 18 de Setembro, três dias depois da ocupação, tendo levantado o respectivo auto. 

A 21 de Setembro, o vereador Manuel Salgado proferiu um despacho que determinava o despejo do edifício. Só que o prédio acabou por não ser desocupado e, já no início deste ano, a 9 de Janeiro, a Polícia Municipal voltaria ao local. Durante este período, sublinhou o município, “foram feitas diligências para que a desocupação do imóvel ocorresse voluntariamente”. 

“Tendo sido infrutíferas todas as diligências levadas a cabo junto dos ocupantes para a entrega voluntária do imóvel ao município, a Câmara Municipal de Lisboa, com apoio das autoridades policiais, procedeu à reposição da legalidade, retomando o município a posse plena do imóvel”, refere a autarquia. Ainda durante a tarde, o grupo de activistas dava conta de que a porta de entrada do prédio estava a ser entaipada com tijolos, impedindo assim o acesso ao interior do edifício. 

Por não se tratar de um imóvel “de natureza habitacional” ou “com tal uso desde 12 de Novembro de 2015”, a autarquia justifica, assim, que os ocupantes não tenham sido notificados com 90 dias de antecedência do despejo do prédio, como diz o Regulamento das Desocupações de Habitações Municipais. com João Pedro Pincha

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