Nova definição europeia de PME ameaça empresas portuguesas

Comissão europeia está a fazer uma revisão dos conceitos que definem os critérios para chamar uma empresa de micro, pequena ou média. Em Portugal cerca de 130 mil que vão responder a um questionário sobre o tema.

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As PME têm um peso essencial na economia portuguesa, não só em produção mas também no que toca ao emprego adriano miranda

O tecido empresarial europeu assenta em micro, pequenas e médias empresas e, nos últimos anos, a Comissão Europeia tem vindo a definir que as PME-Pequenas e Médias Empresas são uma prioridade da sua política. Porém, desde 2003 que não voltou a olhar para o espelho para perceber se os critérios que então estabeleceu sobre o que deveria definir uma PME se mantinham actualizados. Está a fazê-lo agora, lançando um processo de revisão de todos os conceitos associados.

O objectivo é “assegurar que a definição de PME continua a ser adequada à sua finalidade e cumpre os seus objectivos na actual conjuntura económica”. Como metodologia de apoio a esta revisão, lançou um questionário online para ser preenchido por empresas em todos os Estados membros, com a intenção de alterar o que se vier a revelar como necessário.

De acordo com os dados da Comissão Europeia, inscritos no “Guia do Utilizador Relativo à definição de PME” que, apesar de oficial, não tem força jurídica nem vincula a Comissão em nenhum sentido, nove em cada dez empresas no espaço europeu são PME e as PME geram dois em cada três postos de trabalho.

“As PME também estimulam o espírito empresarial e a inovação na União Europeia [UE] e são, desse modo, cruciais para fomentar a competitividade e o emprego. Dada a sua importância para a economia da Europa, as PME são uma prioridade da política da UE”, lê-se nesse guia.

Porém, definir o que é uma PME não é um mero exercício académico - apesar de ser um exercício tecnicamente exigente. É também um exercício decisivo, porque a definição de PME aplica-se a todos os programas, políticas e medidas que a Comissão Europeia formula e implementa a favor das PME, assim como aos tipos de auxílio estatal, em relação aos quais não existem orientações específicas aplicáveis.

Actualmente, a definição que está estabilizada desde 2003 assente em três critérios: o número de efectivos, o volume de negócios e o balanço total anual. Para ser considerada PME uma empresa deve ter menos de 250 trabalhadores, um volume de negócios anual que não exceda os 50 milhões de euros ou um balanço total anual que não ultrapasse um valor de 43 milhões de euros.

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Porém, desde 2003 muita coisa mudou, como sublinhou Paulo Nunes de Almeida, presidente da Associação Empresarial de Portugal. Desde logo o alargamento da União Europeia a mais dez países em 2004, a crise económica e financeira que gerou uma forte austeridade na região, em paralelo com uma verdadeira globalização dos mercados e fluxos comerciais.

“Temos de ter muito cuidado na opinião que vamos transmitir, porque estas questões são fundamentais. A AEP ajudará os seus associados a fazer um trabalho sério, porque dele depende a eliminação de alguns obstáculos que têm funcionado até agora como uma barreira de discriminação negativa. Porque uma empresa que tem mais de 250 trabalhadores não é necessariamente uma grande empresa no contexto europeu”, argumenta Nunes de Almeida.

O factor mão-de-obra

A Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confecção - ANIVEC/APIV - representa a indústria de vestuário e confecção portuguesa junto de várias instituições a nível nacional e é mais clara na defesa de abolição do critério do número de trabalhadores. Na página electrónica da ANIVEC, o presidente da Associação, César Araújo, recorda que é muito natural que nas indústrias com maior predomínio do factor mão-de-obra haja mais de 250 trabalhadores. E que estas devem continuar a ser consideradas PME.

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Questionado pelo PÚBLICO sobre de que forma está o Governo português a participar nesta discussão, fonte do Ministério da Economia respondeu que está a trabalhar activamente na revisão em curso, tendo participado em reuniões com o IAPMEI e os técnicos que estão a conduzir este trabalho por parte da Comissão Europeia.

“O IAPMEI está também a promover a participação das micro, pequenas e médias empresas portuguesas neste procedimento, enquanto parte directamente interessada, de modo a que as suas opiniões individuais sobre esta matéria possam ser tidas em consideração na avaliação em curso”, esclareceu a mesma fonte. Acrescenta o gabinete de Caldeira Cabral que há em Portugal cerca de 330 mil PME (muito abaixo dos números de 2015, divulgados pelo INE) e cerca de 130 mil empresas estão a ser “activamente convidadas a responder ao questionário da Comissão Europeia”. “Este questionário ajudará a avaliar em que medida a actual definição de PME é adequada e a estudar opções para possíveis alterações à recomendação, de modo a que as pequenas empresas europeias possam continuar a receber apoio político específico”, explica fonte do Governo.

Recorde-se que no âmbito do programa Capitalizar, o Governo já sentiu a necessidade de actualizar a definição de PME ao criar o conceito de empresas de média capitalização (Mid Cap) definindo-a como aquela que, não sendo PME, empregue menos de 3.000 pessoas. Para além disso, considera uma empresa de pequena-média capitalização (Small Mid Cap) aquela que empregue menos de 500 pessoas.

A posição de Portugal

Questionado sobre qual é a definição de PME vai defender em Bruxelas, o Ministério da Economia quis salientar que a questão dos limiares (efectivos e financeiros) “é apenas uma parte do que está a ser alvo de apreciação”.

“As regras inerentes à forma de avaliação da independência, ou autonomia, das empresas são potencialmente mais críticas”, admite. E deu como exemplo o caso do capital de risco, um instrumento da maior importância para as empresas, mas que face à actual definição de micro, pequena ou média empresa pode facilmente levar a que as empresas participadas deixem de cumprir os critérios de PME.

“Por outro lado, a completa clarificação das várias regras e conceitos subjacentes à definição - sejam estas ou outras - é crucial, para que todas as partes interessadas a compreendam facilmente”.

De acordo com o Governo, a Comissão Europeia já tem promovido a existência de medidas de discriminação positiva para as empresas efectivamente de menor dimensão e que operem de forma isolada, “para que este tipo de empresas possa ter oportunidades que lhes permitam ser tão competitivas quanto as restantes, nomeadamente através de medidas específicas para as empresas que ainda não estão no patamar que se pretende para todas, de modo a agilizar esse percurso.”. Mas a discussão ainda agora começou.

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