Entre 2005 e 2015, houve municípios a descer mais de 100 lugares no ranking do poder de compra

Castro Marim, Vila do Bispo, ambos no distrito de Faro, e Santa Cruz, na Madeira, foram os concelhos cuja posição na lista do poder de compra per capita mais desceu. Também houve subidas. Foi o caso de municípios como Sobral de Monte Agraço ou Castro Verde. Os dados mais recentes referem-se a 2015, mas só foram publicados em 2017.

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Nuno Ferreira Santos

Em 2005, Vila do Bispo era o número 118 no ranking do poder de compra por habitante. Estava na metade superior da tabela, mas passados dez anos, em 2015 — o INE só publicou estes dados em 2017 —, o município algarvio onde habitam pouco mais de cinco mil pessoas, ocupava o 288º lugar. Foi, pelas contas do PÚBLICO, a queda mais acentuada de todos os 308 concelhos.

A acompanhar o tombo de Vila do Bispo esteve Casto Marim, também no distrito de Faro, e Santa Cruz, na Madeira. Como é que isto aconteceu?

Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) pesam, actualmente, 16 variáveis para avaliar o estado do poder de compra em cada município. Em 2005 faziam-no com 18. Por isso, não é possível atribuir responsabilidades a um só elemento, explicita o instituto. Este cálculo é “uma acepção ampla de bem-estar material a partir de um conjunto de variáveis”.

Filipe Sousa, presidente da câmara de Santa Cruz desde 2013 — quando foi eleito pelo Juntos Pelo Povo (primeiro um grupo de cidadãos e, desde 2015, um partido) —, atribui a culpa desta quebra no seu concelho ao desemprego jovem e ao impacto que o fenómeno tem no consumo e poder de compra de quem lá vive. Fá-lo “empiricamente”, porque não tem dados que suportem as observações, salienta.

O autarca explica que “tem sido feito um esforço para recuperar a retracção do consumo que se verificou com a crise”. Tarefa que até há pouco tempo era dificultada porque o município estava “falido” e integrado no Programa de Apoio à Economia Local. A partir de 2016, contudo, foram aprovadas algumas medidas de cariz social, como o reforço das bolsas de estudo, a oferta de manuais escolares no primeiro ciclo e a criação de um fundo de emergência social.

Hoje, já é possível ver que “os centros das freguesias ganharam vida”. Para os próximos anos, espera-se uma “recuperação” do poder de compra para o município madeirense, remata o autarca.

O presidente da câmara de Castro Marim, Francisco Amaral, não se surpreende com a quebra no poder de compra porque ele está traduzido nos “números brutais de desemprego durante os últimos cinco anos”. De resto, a situação de debilidade económica e social, sublinha, “obrigou a câmara a pagar a renda da casa a dezenas de famílias, para evitar que ficassem a dormir na rua”.

O autarca associa a perda de poder de compra com a falta de “infra-estruturas para atrair os investidores” e detalha que “é o único concelho do Algarve que não tem um parque empresarial”. E destaca que “tem dezenas de processos em tribunal”, interpostos pelos empresários contra a câmara. Os motivos prendem-se com as deliberações “do anterior executivo [liderado por José Estevens, PSD, que nas últimas eleições concorreu como independente], chumbando projectos que foram apresentados”.

A falta de um espaço para acolher empresas, diz, poderia inverter a situação do escasso poder de compra das famílias: “Há uma dúzia de empresas a querem instalar-se, e nem sequer um metro quadrado de espaço tenho para oferecer”. 

Há quem suba, mas o top é constante

Do lado dos que mais subiram neste ranking, Sobral de Monte Agraço, Castro Verde e a pequena ilha do Corvo foram os municípios que se destacaram. O Corvo pulou 125 lugares, passando da posição 294 para a 169. Já Castro Verde, no Alentejo, passou do 136.º para o 29.º lugar. Por sua vez, Sobral de Monte Agraço subiu 88 lugares, do 114.º para o 26.º.

Ainda assim, tanto em 2005 como em 2015, o pódio manteve-se sempre ocupado por Lisboa, Porto e Oeiras. A única oscilação que se verificou neste patamar teve a ver com a substituição do segundo lugar, que antes era ocupado pelo Porto e passou a ser preenchido por Oeiras. Os últimos lugares da lista em 2015 eram ocupados pela Ponta do Sol, na Madeira, em Tabuaço, Viseu, e em Celorico de Basto, em Braga.

Ainda assim, nos dez anos em análise, só três municípios da Área Metropolitana de Lisboa não desceram na lista. Já no Porto, só em Gondomar e Santa Maria da Feira é que se registou uma descida. 

Quando o foco é o turismo, a ordem é outra

A acompanhar a análise do poder de compra por habitante está o factor do dinamismo relativo. Uma medida associada à actividade turística, que é entendida como a “dinâmica económica, de manifestação irregular” numa dada região, explica o INE. Apesar de ter um peso menor na explicação do poder de compra, também deve ser tida em conta, uma vez que expressa tendências sazonais associadas ao turismo.

No caso deste segundo factor, Vila do Bispo e Castro Marim são dois dos concelhos que mais se destacam. Nos lugares de topo estão outros municípios algarvios como Albufeira, Lagos, Loulé, Lagoa, Aljezur, Tavira, Portimão, Vila Real de Santo António e Silves. Os concelhos do distrito de Faro têm-se mantido relativamente estáveis entre os municípios com maior dinamismo relativo.

Ainda assim, há grandes subidas. Lisboa, Porto e Cascais, onde em 2005 o factor de dinamismo relativo era reduzido, pularam na lista e agora fazem parte dos 15% de municípios com maior dinâmica associada ao turismo. Isto engloba variáveis como o valor das compras internacionais e dos levamentos estrangeiros em caixas automáticas, bem como os valores de compra e venda de imóveis por habitante.  

Quando se recorre à percentagem de poder de compra que cada município detém, a disparidade nesta distribuição é evidente. Metade do poder de compra está concentrada em 17 municípios. Desses, os cinco primeiros são Lisboa, Porto, Sintra, Oeiras e Cascais. Na outra ponta estão o Corvo, Lajes das Flores, Barrancos, Alvito e Porto Moniz. Ou seja, três dos cinco municípios com menos percentagem do poder de compra ficam nas regiões autónomas e outros dois no Alentejo.

Como se mede?

Há mais de uma década que o Instituto Nacional de Estatística estima o poder de compra de cada município. Este indicador, que não tem uma unidade concreta, serve para em cada período de análise descrever como o poder de compra se distribui em cada concelho e olhar relações entre si.

Apesar do objectivo do cálculo do poder de compra ser o mesmo nos dois períodos, há algumas diferenças em relação à forma como o indicador era medido num ano e no outro. Contudo, tanto em 2005 como em 2015, as variáveis que mais contribuíram para explicar este indicador eram as mesmas: o IRS das pessoas singulares, o rendimento colectável para efeitos de IRS e o número de pagamentos de serviços feitos em caixas automáticas.

Uma vez que o próprio instituto alerta para os riscos de incorrer em comparações temporais entre municípios recorrendo-se aos números absolutos, optou-se por construir um ranking onde o primeiro da lista é o concelho onde o poder de compra é maior num determinado ano e o último é aquele onde este indicador tem menor expressão num dado ano. com Idálio Revez     

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