O umbigo de Trump e o instinto de sobrevivência da Europa

É bem possível que estejamos a assistir a uma colisão de grandes proporções em câmara lenta.

A única coisa certa para os próximos anos é a indefinição, a nível individual como global. E se a primeira reacção tende a ser a de autoprotecção, o que representa fechar janelas e portas à chave, essa é também a pior estratégia. Com o populismo em alta, vindo da esquerda e da direita, erguem-se palavras de ordem e barreiras comerciais, bem visíveis nas intervenções do Presidente dos EUA, Donald Trump.

No discurso que proferiu em Davos, na sexta-feira, o tom foi mais macio do que se poderia esperar, mas mostrou bem ao que vem: uns EUA concentrados no umbigo, envoltos num nevoeiro de falácias. Uma delas ficou bem patente quando realçou, de forma evidente mas indirecta, que é por ter sido eleito que o país está a crescer.

Um exercício interessante é olhar para o discurso de Trump, disponível no site oficial do Fórum Económico Mundial, e ver as partes em que palavras estão em capitulares, ou seja, as que seriam realçadas no discurso. “America First does not mean America alone” não foi seleccionada para tal, ao contrário de “AMERICA IS OPEN FOR BUSINESS AND WE ARE COMPETITIVE ONCE AGAIN”, após ter elencado vários aspectos positivos que terão ocorrido após a sua eleição, há pouco mais de um ano.

A par das barreiras alfandegárias, e do potencial efeito dominó, desde o início da grande recessão de 2007/2008 que se tem tentado evitar uma guerra cambial. E, desde então, não me lembro de ver um confronto de palavras tão azedo entre dois gigantes e aliados como o que se assistiu na semana passada entre a UE e os EUA, com o presidente do BCE, Mario Draghi, a insurgir-se contra a manipulação verbal do secretário de Estado do Tesouro, Steve Mnuchin, que advogou um dólar baixo, benéfico para o comércio do seu país (permitindo maior fôlego às exportações e travando as importações).

Isto na mesma altura em que o secretário de Estado do Comércio dos EUA, Wilbur Ross, sugeriu que já existe uma guerra comercial — à qual o seu país está a reagir em modo combate, com o aumento de tarifas à importação de painéis solares e máquinas de lavar, onde há suspeitas de dumping e afectando a China e a Coreia do Sul —, o que levou a comissária europeia do Comércio a falar de um tipo de conversa “irresponsável”.

O facto é que há cada vez mais sinais de proteccionismo, como o que foi dado pela Argélia, um relevante parceiro comercial de Portugal e que, de forma “temporária”, passou a bloquear a importação de vários produtos (como mobílias) e encarece muitos outros numa tentativa de provocar o aumento de empregos.

Outro dado do arrefecimento económico global surge pela mão das Nações Unidas, e mostra que em 2017 o investimento directo estrangeiro caiu 16% a nível mundial, com o investimento em projectos de raiz a cair 31% em valor e 17% em termos de quantidade.

É bem possível que estejamos a assistir a uma colisão de grandes proporções em câmara lenta, e por isso mesmo é bom olharmos para o projecto europeu. Este tem os seus defeitos, mas o processo de remodelação que está em curso, após o “Brexit” e em reacção à crise do euro, ao populismo e ao nacionalismo, dá espaço para melhorias que não pode ser desperdiçado.

Entre cimeiras e não só, este ano vai-se ditar o rumo da viragem para a zona euro e para a União Europeia. O nosso destino decide-se aqui, e ter a noção disso mesmo é o primeiro passo para tentar ter uma palavra a dizer no processo, procurando zonas de apoio que nos equilibrem por entre os balanços da indefinição.

Um ponto fulcral: as barreiras comerciais podem valer votos mas salvam poucos empregos. A formação e adaptação, essas sim, podem fazer a diferença face ao desenvolvimento inexorável da inteligência artificial e da automação.

A solução não está em usar uma mentira para tentar disfarçar a realidade, colocando a culpa no “outro” em caso de despedimento e desemprego, mas sim encarar o problema de frente para depois encontrar respostas, formas de reacção que vão ao encontro das pessoas e das necessidades da economia, requalificando-as. Isso não está a acontecer, minando a arquitectura social, ou se está é de forma demasiado lenta e tímida.

Neste momento, e até por instinto de sobrevivência, cabe à Europa, e a países como Portugal, ter a agilidade necessária para responder ao desafio das mudanças no mercado do trabalho com as ferramentas certas. A questão não está ao nível do dinheiro, mas sim do pensamento e da acção.

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