A vitória total de Bruno Mars e o segundo lugar de Kendrick Lamar

Músico ganhou todas as categorias para as quais estava nomeado, incluindo disco e canção do ano. Humble , de Kendrick Lamar, não conseguiu o prémio mais importante, mas dominou no rap. #MeToo trouxe lágrimas ao palco.

Fotogaleria
Bruno Mars ANDREW KELLY/Reuters
Fotogaleria
Bruno Mars JUSTIN LANE/EPA
Fotogaleria
Os Mastodon LUSA/JUSTIN LANE

Noite de Grammys é noite de prémios para a música norte-americana e na edição 2018 foi principalmente a noite de Bruno Mars. O cantor arrecadou os seis prémios para os quais estava nomeado, numa vitória que só poderá ter desiludido aqueles que apostavam na consagração de Kendrick Lamar. Este foi o segundo artista mais premiado na 60.ª edição dos prémios da indústria fonográfica dos EUA, que decorreu domingo à noite no Madison Square Garden, em Nova Iorque. E que teve, além da música, Hillary Clinton e Time's Up.

Foto
Bruno Mars em palco na cerimónia dos prémios em Nova Iorque, enquanto interpretava um dos seus temas REUTERS/Lucas Jackson

Desde 2003 que a cerimónia de entrega dos Grammys não se realizava fora de Los Angeles e a viagem até à costa Leste não terá custado nada para quem regressou a casa de mãos cheias, como Bruno Mars, músico de 32 anos natural de Honolulu, distinguido com os prémios mais importantes: Disco do Ano (24K Magic) e Canção do Ano (That’s What I Like). Mars venceu ainda na categoria Gravação do Ano (para produtores), Melhor Performance R&B, melhor música R&B e melhor álbum R&B. Depois da polémica em torno da derrota de Beyoncé para Adele em 2017, por exemplo, e da unanimidade crítica em torno de Humble, o mais recente álbum de Lamar, este último era o favorito nas apostas e no discurso dos críticos, visto como provável vencedor numa temporada de prémios que se tem feito de statements.

Foto
Kendrick Lamar no momento em que recebe o Grammy para melhor disco de Rap REUTERS/Lucas Jackson

Kendrick Lamar ficou em primeiro na corrida ao Grammy de Melhor Performance Rap (Humble), Melhor Performance Rap/Cantada (Loyalty, com Rihanna), Melhor Canção Rap (Humble) e Melhor Álbum Rap (Damn), num total de quatro prémios - consagrou-se a sua reputação e confirmou-se a admiração de que é alvo na indústria. Mas que não chegou para bater os sons mais dançantes de Bruno Mars.

Fora dela, Lamar é um dos nomes maiores e a referência das linguagens rap e hip hop dos últimos anos, e simbolicamente bateu um dos padrinhos do género, Jay-Z, que saiu dos Grammys sem qualquer prémio. Aliás, como formula a Hollywood Reporter, "cada vitória para Kendrick Lamar ou Bruno Mars foi uma derrota para Jay-Z". O marido de Beyoncé estava nomeado para oito prémios em torno do álbum 4:44 (em que sampla o português Quarteto 1111) e todos perdeu.

Os National ficaram com o Grammy para Melhor Álbum de Música Alternativa e Leonard Cohen recebeu o prémio de Melhor Performance Rock postumamente por You Want it Darker. Outro prémio póstumo foi o de Carrie Fisher pela versão áudio do seu livro Os Diários da Princesa. Os Mastodon foram premiados pela Melhor Performance de Metal com Sultan's Curse e a Melhor Canção Rock foi Run, dos Foo Fighters, mas o Melhor Álbum Rock foi mesmo A Deeper Understanding, dos The War On Drugs. Elton John e Miley Cyrus interpretaram o clássico do músico Tiny Dancer, Shakira ganhou pelo Melhor Álbum de Pop Latina e Kendrick Lamar fez uma mistura amplamente elogiada em palco - e que levou também aos Grammys o comediante Dave Chapelle, que lá subiria depois para receber o Prémio de Melhor Álbum de Comédia.

Na categoria de Melhor Novo Artista (ou artista revelação), o prémio foi para Alessia Cara, a banda Portugal. The Man (que em 2018 vão passar pelos palcos portugueses) venceu o prémio de Melhor Duo ou Banda Pop e Ed Sheeran levou o Grammy de Melhor Álbum Pop Vocal e o gramofone dourado de Melhor Artista Pop a Solo com a popularíssima Shape of You. Bateu as quatro cantoras nomeadas nesta última categoria - Kelly Clarkson, Pink, Lady Gaga e Kesha.

Esta última foi, informalmente, uma das vencedoras da noite. O seu single Praying, o regresso depois de uma ausência marcada por ter acusado o seu produtor, Dr. Luke, de abusos sexuais (o visado nega as acusações e há uma batalha legal em curso), foi interpretado em palco num momento pungente da cerimónia. Kesha emocionou-se, ladeada pelas cantoras Cyndi Lauper, Camila Cabello, Julia Michaels e Andra Day. Usaram branco, em sinal de apoio ao movimento #MeToo, e Janelle Monae apresentou-as, dedicando o seu tempo ao projecto Time's Up, que visa sensibilizar e apoiar vítimas de assédio sexual, com um discurso amplamente citado.

"A quem ousar silenciar-nos, oferecemos duas palavras: Time's Up", disse, evocando o seu sentido literal, "o tempo acabou". "Dizemos que o tempo da desigualdade salarial acabou. Acabou o tempo da discriminação. Acabou o tempo de todo o tipo de assédio. E acabou o tempo do abuso de poder. Porque, sabem, não se passa só em Hollywood, não se passa só em Washington. Está aqui, também, na nossa indústria", disse a cantora. A passadeira vermelha viu algumas rosas brancas, novo símbolo #MeToo, nas mãos de Clarkson, Cardi B, Lauper ou Miley Cyrus.

A noite foi conduzida por James Corden, que não passou ao lado das questões sociais e políticas em torno da imigração, do racismo e de género que já tinham marcado outros eventos do arranque da temporada de prémios do cinema, como os Globos de Ouro. Eventos de visibilidade mundial, as cerimónias de prémios norte-americanas são palco para as artes que distinguem mas sempre e cada vez mais plataformas para comentar as causas e casos do momento. Nessa esteira, um dos momentos surpresa da noite foi mesmo a aparição de Hillary Clinton, a senadora derrotada por Donald Trump nas presidenciais de Novembro de 2016, como parte de um quadro humorístico em que vários músicos leram excertos do polémico livro Fire and Fury, do jornalista Michael Wolff.

Entoado como se de uma obra de spoken word se tratasse, as vozes de Snoop Dogg, Cher, John Legend, Cardi B, DJ Khaled e Clinton emprestaram dramatismo cómico a passagens do livro que há semanas alimentou mil conversas sobre os bastidores da Casa Branca Trump. "Um motivo pelo qual ele gostava de comer no McDonalds: ninguém sabia que ele lá ia e a comida era segura, já feita", leu Hillary Clinton, elogiada pela sua actuação por James Corden. A política democrata ripostou com sarcasmo sobre esse optimismo do apresentador quanto à sua "audição" - "Acha? O Grammy está ganho?".

As reacções da ala Trump chegaram prontamente, com críticas via Twitter por parte de Donald Trump Jr., filho do Presidente, e de Nikki Haley, embaixadora dos EUA para as Nações Unidas - "Não estraguem óptima música com lixo. Alguns de nós gostam de música sem política à mistura". 

 

Notícia corrigida às 11h03 - Loyalty, de Kendrick Lamar, é cantada com Rihanna e não com Beyoncé, como foi erradamente atribuído

Sugerir correcção
Comentar