Trump não arriscou na escolha de quem mexe com a economia

Jerome Powell é a prova de que Trump às vezes também tem de fazer escolhas previsíveis. Para liderar a Fed, o presidente optou por abdicar de Janet Yellen, mas escolheu uma versão o mais próxima possível, para não colocar em causa os sucessos económicos dos últimos anos

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Jerome Powell Joshua Roberts

Se há característica que Jerome Powell tem que se adapta à ideia que as pessoas gostam de quem tem um grande poder sobre o seu dinheiro é a de que parece sempre estar calmo, sendo impensável vê-lo a entrar em pânico. “Está perto de se tornar no mais importante decisor politico na área económica do mundo. Como é que se sente em relação a isso?”, perguntou-lhe na audição de confirmação no Congresso o senador Dean Heller. “Sinto-me bem”, respondeu sem hesitações o homem escolhido por Donald Trump para liderar a Reserva Federal pelo menos durante os próximos quatro anos.

Este permanente ar de serenidade pode, é claro, não ser mais do que uma máscara, mas uma coisa é certa: Jerome Powell, um advogado com uma longa carreira na banca de investimento e desde 2011 no sistema da Reserva Federal norte-americana, vai mesmo, como disse o senador Dan Heller, passar a ocupar a partir do próximo dia 3 de Fevereiro o cargo com mais influência em toda a economia mundial.

Para um presidente da Fed (o banco central dos Estados Unidos), um simples passo em falso tem consequências quase imediatas em grande parte da população mundial, seja um multimilionário banqueiro de Wall Street, um trabalhador de uma empresa de têxteis em Portugal ou um condutor de tuk-tuk em Bangkok. Basta dar um pequeno sinal aos mercados de que a política monetária da Fed afinal se pode tornar mais restritiva e uma crise financeira na Ásia pode ter início assim que os mercados abrirem. Basta prolongar o período de taxas de juro muito baixas durante mais um mês do que aquilo que seria preciso, e o dólar cai nos mercados, tornando a vida bem mais difícil para as empresas exportadoras europeias. Basta acreditar que o melhor é deixar os mercados autoregularem-se e, de repente, toda a economia mundial pode estar a braços com uma crise financeira de grandes proporções.

O cargo de presidente da Fed é daqueles em que dificilmente se pode arriscar. E deverá ter sido por isso que mesmo Donald Trump, conhecido pela sua imprevibilidade, não encontrou outra solução que não fosse a de escolher previsível e às vezes enfadonho Jerome Powell para substituir Janet Yellen.

Claro que para muitos, a solução mais óbvia teria sido mesmo reconduzir Yellen no lugar que ocupou nos últimos quatro anos. A primeira mulher presidente da Fed conseguiu, numa avaliação que é praticamente unânime, conduzir a economia norte-americana sem grandes  sobressaltos por um caminho que se adivinhava cheio de armadilhas. Yellen teve de gerir o início da subida das taxas de juro nos EUA, sabendo que, se fosse muito lenta a fazê-lo, arriscava-se a deixar nascer um novo período de pressões inflacionistas e, se fosse demasiado rápida, poderia colocar em causa a retoma da economia norte-americana e provocar instabilidade no resto da economia mundial.

Parece ter encontrado a fórmula certa para navegar entre estas duas ameaças, optando por ser mais lenta do que rápida. Com ela ao leme da Reserva Federal e Jerome Powell como um dos outros membros do conselho de administração, a economia norte-americana continuou a acelerar, permitindo que a taxa de desemprego caísse para níveis que há muito não se viam. E, ao mesmo tempo, a inflação continuou a apresentar uma evolução muito moderada.

A política seguida por Yellen e os resultados obtidos têm sido muito úteis para Donald Trump, que tem no crescimento da economia e na valorização dos mercados accionistas alguns dos (poucos) sucessos evidentes da sua presidência.

Então porque é que Trump não escolheu reconduzir Yellen? A explicação mais vezes dada é a de que o presidente dos EUA pura e simplesmente não queria ter alguém nomeado por Barack Obama num cargo tão importante. E por isso, tentou encontrar a sua própria versão de Yellen entre os economistas associados mais frequentemente ao campo republicano. 

Entre as hipóteses mais vezes referenciadas estava John Taylor (o criador da regra de Taylor), no entanto, tal como a maioria dos economistas associados à ala republicana, a sua nomeação poderia implicar uma política monetária mais restritiva, que se preocupasse mais em evitar um ressurgimento da inflação do que em manter o ritmo forte de criação de emprego. Isso seria algo que Trump não estava disposto a aceitar, pelos riscos que colocaria à continuação do sucesso económico da sua presidências.

Jerome Powell, por seu lado, talvez por fazer parte da equipa de Yellen na Fed, sempre mostrou um grande alinhamento com a estratégia de retirada muito moderada dos estímulos seguida nos últimos anos. “Temos sido pacientes a remover os estímulos, e penso que essa paciência tem-nos sido muito útil”, afirmou na audição de confirmação no Senado.

Outro ponto que poderá ter feito Trump inclinar-se para a escolha de Powell é o facto de os dois partilharem uma simpatia pela desregulação. Aquilo que mais frequentemente distinguiu os discursos de Powell daqueles que eram feitos por Janet Yellen, foi o facto de o futuro presidente da Fed ter por diversas ocasiões defendido que o sistema bancário estava, desde as mudanças feitas após a crise, sobrecarregado por regulação.

Uma das mudanças que Powell pode vir a facilitar é o enfraquecimento da regra Volcker, que foi introduzida com o objectivo de impedir os bancos de investimento de fazerem apostas com o seu próprio dinheiro, uma das razões para que a última crise tenha ganho uma enorme dimensão. Quando foi ouvido pelo Senado, assumiu apoiar “uma revisão da regra Volcker”.

Para além disso, mostrou-se também muito confiante que, neste momento, não existe o mesmo risco de cairmos numa nova crise financeira. Powell defendeu, por exemplo, que já não existem nos Estados Unidos “bancos demasiado grandes para falirem”, o que pode mostrar a sua disponibilidade para libertar as instituições financeiras para arriscarem um pouco mais. Para os grandes bancos em Wall Street, isto é o suficiente para receberem a chegada de Jerome Powell com um enorme sorriso nos braços.

De qualquer forma, se por agora, com uma política monetária pouco restritiva e com uma simpatia pela desregulação, Powell parece dar a Trump tudo aquilo que este quer, nada garante que no futuro tudo se mantenha igual. O primeiro ano de mandato do presidente norte-americano mostra que, se as coisas começarem a correr mal, o primeiro instinto de Trump é encontrar um culpado. E na frente económica, o candidato mais evidente será Jerome Powell.

Terá Powell a capacidade para se manter (e não apenas parecer) calmo perante uma pressão de Trump para assumir políticas diferentes? Será que quando a economia falhar, e a inflação não convidar a descidas de taxas, o presidente da Fed não irá ceder perante os inevitáveis tweets do presidente? Para já, à medida que se aproxima a sua entrada em funções, Jerome Powell tem revelado prudência ao evitar a todo custo entrar nas disputas partidárias que dominam Washington, fazendo por exemplo declarações vagas sobre aquilo que pensa do agressivo corte de impostos introduzido por Trump e pelos Republicanos. Disse apenas estar, “como todos, preocupado com a sustentabilidade do nosso rumo orçamental no longo prazo”.

Em em relação a pressões da Casa Branca, Powell garantiu ao Congresso que iria fazer tudo o que fosse possível para “preservar o estatuto independente e não partidário” da Fed, esclarecendo, para quem tivesse dúvidas, que em nenhuma conversa que tivesse tido com alguém da administração Trump – incluindo o secretário do Tesouro proveniente de Wall Street, Steven Mnuchin – houve sinais de pressões.

Os próximos quatro anos de política monetária da Fed – e os efeitos que terá em todo o mundo – irão mostrar se estas intenções se concretizam.

 

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