Ski in, ski out em 265 quilómetros nos Alpes

Abriu em meados de Dezembro e é o mais recente membro do Club Med — versão neve. E a 1600 metros de altitude esta não costuma faltar no resort situado no quarto maior domínio esquiável francês, 148 pistas na cordilheira do Monte Branco. No Club Med Grand Massif Samoëns Morillon o esqui é rei, mas tem uma corte vasta: haja energia para tudo.

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Nelson Garrido

Soubéssemos nós esquiar-esquiar (e não voltar quase ao início em cada regresso à montanha) e a experiência teria sido única. Seriam 265 quilómetros de pistas (o quarto maior domínio esquiável de França), ou seja, 265 possibilidades de aproveitar este canto dos Alpes. Invejamos a liberdade de quem a cada manhã e tarde descobriu novas pistas, novos cenários que adivinhamos imaculados — tanto mais que algumas pistas estão encerradas. É que nem a neve faltou à chamada para a inauguração do novo Club Med Grand Massif Samoëns Morillon em meados de Dezembro.

Chegamos e já um manto respeitável cobre tudo; estamos e os flocos revelam-se despudorados, aparecendo durante o dia, ficando durante a noite; partimos e o manto tornou-se um tapete várias vezes fofo. Podíamos usar a nossa varanda como barómetro da queda de neve, com as suas duas cadeiras e uma mesa quadrada baixa: no início da estadia distinguem-se bem os três volumes cobertos de neve, ao terceiro dia não adivinharíamos que a mesa estava ali de tal maneira a neve se encaixou nos espaços em branco — e inventou espaços, acumulando-se em estreito equilíbrio no parapeito da varanda.

A promessa de neve adensou-se na viagem desde o aeroporto de Genebra, o mais próximo deste canto do departamento francês da Alta Saboia (na região de Auvérnia-Ródano-Alpes). Quando a auto-estrada fica para trás e as estradas começam a subir e a enrolar-se nas encostas a neve vai-se revelando. As florestas de coníferas, as aldeias com igrejas de pedra, os estábulos nos retalhos verdes, os chalets de pedra e madeira — começam isolados e acabam em aldeamentos, com pubs onde se anuncia vin chaud, vinho quente. Emergimos no topo, uma clareira quase despida de árvores, uma última curva já com o edifício à vista e a paragem: o ar está gélido a 1600 metros de altitude com a cadeia do Monte Branco no horizonte. Há ainda últimos trabalhos a serem feitos no Club Med, que abrirá ao público quatro dias depois; por enquanto, são convidados de todos os cantos do mundo que vão enchendo o lobby e percorrer-lhe-ão os longos corredores descobrindo os seus segredos. É um Club Med de quatro tridentes e está implantado no Plateau des Saix, suspenso 850 metros sobre a vila de Samoëns e em pleno Grand Massif. A estrada acaba à sua porta — aliás, a estrada só existe para chegar a este hotel, isolado no topo de uma montanha. As pistas começam à sua porta: 148, para sermos exactos, nos tais 265 quilómetros que servem cinco estâncias em sistema de ski in/skin out. Sim, soubéssemos nós esquiar-esquiar...

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O silêncio das montanhas

O enorme lobby, tectos altos, grandes paredes envidraçadas para a montanha, há-de ficar mais buliçoso. Por agora, não são muitos os que esperam o ckeck-in, que vem até nós (é o conceito easy arrival): os funcionários de iPad na mão, nós de chá quente servido ali mesmo, sentamo-nos numa ilha de poltronas orelhudas, colocamos a pulseira-chave-porta-moedas, recebemos o ski pass, ouvimos as primeiras instruções. Em breve teremos uma visita-guiada e ficaremos a saber tudo o que este Club Med tem para oferecer. No quarto tentamos perceber-lhe o feitio, mas estamos limitados pelo andar baixo que só nos permite ver uma parte deste imenso complexo que parece encaixado na paisagem na sua pedra e madeira tradicionais: distribui-se em degraus no terreno e no topo proporciona vistas de 360 graus sobre a paisagem. Do nosso quarto, a vista é entregue quase em regime de exclusividade às montanhas — vamos vê-las desaparecer engolidas em brumas, a brilhar ao sol e a vestirem-se mais de branco. Não vemos as pistas de esqui, mas escutamos o silêncio das montanhas.

À medida que o dia se vai escoando, mais festivo fica o ambiente no lobby do hotel, ligado directamente com o bar-discoteca-teatro e com portas envidraçadas a abrirem para um terraço com um pé na neve fresca que se vai acumulando ao longo da estadia — à noite, um jogo de luzes torna a escuridão uma espécie de aurora boreal. Dentro do resort a decoração é toda em motivos da montanha, as florestas, os rios, os animais, a neve, claro, que se insinuam de forma discreta, quase conceptual, num design que pisca o olho ao design nórdico, excepto em alguns momentos — por exemplo, na piscina interior, onde renas azuis se exibem. Em breve já estaremos a subir e descer elevadores, a percorrer longos corredores alcatifados num dédalo que combina 423 quartos (e suítes) e espaços comuns para todos os gostos e idades — afinal, o Club Med é conhecido por proporcionar férias para toda a família e, na verdade, não se poupa a esforços. E descobriremos que tudo termina (ou começa) com as portas que se abrem directamente para a neve: sair de esquis nos pés é uma das vantagens (e confortos) indiscutíveis deste resort — quem esquia sabe que não tem preço (ou melhor, tem — e é alto).

Já chegaremos a essa sala, a do esqui, cheia de cacifos (cada um corresponde a um quarto, o número é o mesmo, a chave, pulseira, também), de onde se parte para conquistar a neve — ou então se desce a Samoëns, uma vez que a gôndola se situa aqui fora. Primeiro, subimos ao último andar, ao restaurante Skyline, precedido de uma loja (gourmet, de produtos da região e não só) e wine bar com piano — aqui ouviremos o cantor (e actor) francês Patrick Bruel, em versão acústica, ele, a guitarra e uma dúzia de canções de amor e desamor, perante uma audiência quase reverencial. No Skyline, o restaurante gourmet cujo menu ficou a cargo do chef Edouard Loubet — duas estrelas Michelin e conhecimento profundo da cozinha da região, ou não fosse de Val Thorens — temos o nosso primeiro jantar, “cozinha regional com um twist”. Começamos com sopa de ervas aromáticas com tartine de queijo dos Alpes e caracóis, segue-se peito de pato com mirtilos ou filete de bacalhau, e terminamos em labaredas, controladas e intensamente fotografadas, com o flambé de chocolate.

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Um andar abaixo, o Cosy Mountain é o restaurante buffet, um espaço enorme dividido em áreas temáticas, digamos assim — do colorido da zona das famílias à surpresa da zona das cabinas dos teleféricos feitos cabinas de refeições. A comida ocupa, claro, o centro: de ilha em ilha (de entradas frias a entradas quentes, das saladas aos quejos e charcutaria), até ao longo balcão onde peixe e carne se cozinham diante dos nossos olhos, passando pelas pizzas e focaccias, as muitas variedades de pão, para terminar apenas diante das sobremesas.

E então o andar onde a sala de esqui é o “outro” lobby, mais importante, atrevemo-nos, com os seus cacifos especiais onde o equipamento não só se guarda como seca. Antes, a sala de aluguer de equipamento e este aluguer é a única coisa que não está incluída no regime all-inclusive. O privilégio de ter equipamento novo à disposição é raro, mas aí estão esquis, botas, batons e pranchas de snowboard da marca Rossignol reluzentes, ansiosos por se fazerem à pistas. Nos pés (e mãos) de principiantes ou profissionais com ou sem a companhia de professores da École du Ski Français. As crianças têm a sua própria sala de esqui (uma novidade no Club Med), com saída reservada para aulas (há aulas a partir dos três anos de idade, mediante um pagamento extra; as aulas incluídas no preço começam nos quatro anos) ou para o jardim de neve. Estamos na órbita do Club Med versão jovem, ou melhor, versão bebé, mini, criança e adolescente — os “clubes”, cada qual com o seu espaço adaptado à faixa etária. Aqui, em Samoëns Morillon, o Club Med apresenta um novo espaço para as famílias, o restaurante Bread & Co, onde os filhos são os anfitriões, convidando os adultos e construindo os pedidos através de iPads — por vezes, agem como uma espécie de sous chefs, ajudando na preparação.

E o après-ski?

O que seria do esqui sem o après-ski? Bem, por nós continuaria a existir, mas com certeza não teria a mesma piada. Porque mesmo quem, como nós, apenas anda em pequenas pistas-colinas, a subir e a descer como se num carrossel estivesse — ainda que com escapadelas bem sucedidas até umas pistas verdes onde a neve fofa, em pó, permite deslizar facilmente (e promete um bom acolchoado nas quedas que afinal não temos) — sente o peso do exercício nos joelhos e ombros e o cansaço geral a que o ar da montanha condena quem o desafia. Enquanto o restaurante-pub instalado num chalet exterior a caminho da gôndola e teleféricos não abre — apostamos que está pronto para a abertura ao público, no dia seguinte à nossa partida —, o café e o chá das várias máquinas instaladas no resort confortam-nos.

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O Club Med aqui não é o estereótipo de praias exóticas de areias brancas e palmeiras a que é normalmente associado, como lembrará o CEO Henri Giscard d’Estaing, na inauguração oficial. Aqui, a praia é a montanha e o Inverno com os seus desportos de neve são reis — ainda que o resort também esteja aberto no Verão, oferecendo uma série de actividades (como caminhadas, ciclismo, rafting, canyoning, escalada). Aliás, é apenas no Verão que a piscina exterior abre, mais propriamente no final de Abril — a informação acaba com os nossos sonhos de estar na água entre a neve que ocupa o grande terraço onde a piscina se instala com vista desmedida sobre os cumes nevados. Sobra-nos o jacuzzi (inactivo no Verão) fumegante — talvez porque estamos em soft-opening são mais aqueles que tiram fotos do que aqueles que usfruem do “caldeirão”. Também não acertamos quando imaginamos a piscina interior ligada à exterior — um erro que emerge do nosso próprio desejo e da sua disposição, encostada ao vidro —, os custos energéticos seriam elevados, dizem-nos. Confinados ao interior, temos, contudo, amplas vistas para a paisagem, na companhia inesperada de renas (e seus troféus expostos na parede) azuis, em amplas cabanas-camas, que formam recantos nas paredes deixando os tipis para as crianças se imaginarem índios em fato de banho.

No spa, onde os tratamentos têm a assinatura Carita, a atmosfera é mais tranquila e o manto branco continua a apresentar-se à nossa saciedade através de paredes envidraçadas, uma vez mais a abrirem para terraços. As três salas de exercício, todas contíguas e interligadas, oferecem desde aparelhos a aulas e uma está aberta 24 horas com treinos ditados através de programas virtuais — sim, pode fazer-se ioga de madrugada. E, já que falamos em madrugadas, as festas no Club Med não costumam entrar madrugada dentro, mas todas as noites há animação com DJ ou música ao vivo.

Haja é energia para tanto. O esqui e o snowboard consomem a atenção da maioria dos que aqui chegam nestes dias pré-abertura oficial, mas há também, por exemplo, caminhadas em raquetas de neve, sempre com guia. Os mesmos que podem acompanhar os esquiadores ou snowboarders mais experientes para lhes mostrar todos os recantos destas quase três centenas de quilómetros de pistas. Colegas nossos, audazes, aventuraram-se também fora de pista. Nós pusemos os pés nas pistas largas que rasgam clareiras entre os pinheiros e ouvimos falar das mais técnicas, mais remotas (nesta estação a altitude máxima chega aos 2500 metros, com vales a condizer...), onde o Monte Branco fecha o horizonte. Sim, soubéssemos nós esquiar-esquiar.

A Fugas viajou a convite do Club Med

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