Respirar arquitectura com o Porto em todas as direcções

A porta mais estreita esconde bilhetes simpáticos, fatias de bolo caseiro, um terraço de betão e o bom gosto de uma "família Pritzker" — o vizinho do lado é o restaurante vegetariano daTerra.

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Joana Gonçalves
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“Caro Luís Octávio, bem-vindo ao Duas Portas. É com um enorme gosto que o recebemos em nossa casa. Desejamos-lhe uma óptima estadia.” O bilhete, escrito à mão, letra redonda, foi deixado no quarto. Acompanham-no flores de chocolate Arcádia e um clipe triangular dourado preso a um esguio cartão verde com dois pequenos rectângulos minimais que simbolizam as duas portas — a estreita e a mais larga — deste projecto familiar que nasce da vontade de receber em casa.

Luísa Souto Moura faz as honras. “É uma coisa mesmo entre família”, diz. Um tio comprou uma casa antiga em Lordelo do Ouro — Cantareira, antiga zona portuária do Porto, bairro de pescadores, a escassos passos do estaleiro — e a mãe, Luísa Penha, foi a arquitecta do espaço, que está a ser explorado pela irmã (Francisca Penha, enfermeira), juntamente com Luísa, também arquitecta de 34 anos, filha mais velha do arquitecto Eduardo Souto de Moura. “E, de repente, nós aprendemos tudo, todo o funcionamento corrente de uma guest house. Sempre gostamos muito de viajar e de explorar, mas daí até sabermos como gerir um hotel vai uma grande distância.”

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O Duas Portas, a porta mais estreita das duas, é “uma casa pequenina”, “oito quartos”, quatro em cada um dos pisos: quatro com vista para um terraço de betão e para um jardim recuado (nora de ferro “plantada” no centro) que apanha três lotes, quatro com janelas viradas para a foz do rio Douro e para a linha do eléctrico, que passa mesmo à porta, número 516 da Rua das Sobreiras.

“A Arquitectura tem um peso muito grande.” Entre estas paredes, a frase soa quase a pleonasmo. O que está aqui é a recuperação de uma casa de finais do século XVIII que tenta manter o carácter original, muito presente nos materiais (as madeiras e o mosaico hidráulico, as molduras de portas antigas que apenas mudaram de local), nas aberturas para a rua (o caixilho é exactamente o que existia no passado) e até no piso que foi acrescentado ao edifício (em alvenaria de pedra, cantaria). O projecto, uma intervenção moderna com betão armado, elevador e tudo, “vai buscar essa referência muito portuguesa, mas assume e aceita as necessidades e condicionantes do tempo actual (térmicas, acústicas e de durabilidade dos materiais)”, aponta Luísa. É uma “mistura harmoniosa” sem ser “pitoresca”. “Não entramos e achamos que estamos no século passado. Existe uma simbiose. Os dois tempos convivem de forma natural. É nessa natureza, difícil de se conseguir, que está o encanto.”

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A decoração segue a mesma linha, misturando mobiliário nórdico, peças vintage da Olaio e alguns elementos de autor (mobiliário de Álvaro Siza Vieira) que se ligam com outros especialmente desenhados para o projecto. “Há uma particular atenção aos pormenores, desde as cores e texturas aos materiais, criando harmonia e simplicidade no conjunto”, lê-se no site do Duas Portas.

Sensibilidade e bom senso

A qualidade da arquitectura “é muito forte”. “Acho que se sente isso”, assume Luísa Souto Moura, apontando para o “trabalho muito peculiar, muito laboratorial”, com assinatura de Luísa Penha, arquitecta cuja obra foi recentemente mencionada numa edição da revista Casabella com capa do Porto que reforça “os materiais e os sistemas de construção tradicionais” numa obra sua na Rua Bela, bem como a atenção à “tradição” no projecto Duas Portas.

Para uma família ligada à arquitectura, até à enfermagem e a tudo menos à restauração, “está tudo em aberto”. Essa é outra parte boa desta aventura. “Não temos formação nem preconceitos. Mas temos sensibilidade e bom senso. Fazemos como gostaríamos que fosse connosco.” Palavra de Luísa, que nas entrelinhas do seu discurso mais técnico tem uma palavra — “humildade” — e uma linha orientadora que serve de manual de instruções para uma guest house em início de vida. “Saber ouvir e aprender, filtrar e ir ao encontro das necessidades.” “É muito gratificante ter um retorno tão rápido, muito mais imediato do que noutras áreas. Eu venho de uma área de retorno muito demorado, altamente esgotante, que é a construção e a arquitectura. Aqui, as pessoas entram, dorme e no dia seguinte dão a sua opinião.”

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A porta mais larga

A porta do Duas Portas é a estreita. A porta mais larga era uma antiga venda, uma loja que vendia de tudo (mercearia, drogaria...) e que hoje aloja o restaurante vegetariano daTerra Foz do Douro, vizinho com quem o Duas Portas partilha um terraço interior e cujo lema continua a ser “Viver bem é viver da terra”. A ementa semanal está online e os preços variam entre os 7,50€ (buffet almoço, das 12h às 15h30) e os 9,90€ (buffet jantar, das 19h às 22h30).

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As duas portas ficam na antiga zona portuária da cidade, um “sítio periférico e privilegiado pela relação com o rio e o mar, um eixo de ligação da Foz com o centro da cidade”, explica Luísa, com sugestões em todas as direcções. Para a esquerda, de eléctrico, está o rio, a Ribeira, o edifício da Alfândega, o miradouro de Santa Catarina, o arco da Ponte da Arrábida (“suba”) e a pizza Tartufo na Casa D’Oro. Para a direita, um passeio de bicicleta (o Duas Portas tem três) até ao Parque da Cidade ou uma caminhada até aos molhes do Douro, um jogo de minigolfe no Clube do Passeio Alegre e, ao fim do dia, um copo de vinho e guacamole no Travessa. Para a frente fica o Flor do Gás, a única travessia de barco para Vila Nova de Gaia (mais precisamente para a Afurada), e uma refeição de peixe fresco na Taberna de São Pedro. Para trás um passeio até Serralves.

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A Fugas esteve alojada a convite do Duas Portas

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