Inquérito disciplinar do “apagão” depende da investigação do DIAP

Fisco aguarda desfecho do processo-crime para ver se avança com sanções. Descoberta da autoria dos erros fica apenas na mão do Ministério Público.

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O fisco, liderado por Helena Borges, faz compasso de espera sobre o "apagão" evr enric vives-rubio

A magistrada do Ministério Público e o coordenador da Polícia Judiciária (PJ) que estão a investigar os indícios de crime no “apagão” fiscal de dados de 10.000 milhões de euros de transferências para offshores reuniram-se com a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para articular as diligências do inquérito judicial com as do próprio fisco sobre o caso, apurou o PÚBLICO.

Depois das reuniões informais e de posições jurídicas internos, a direcção da AT concordou que o melhor a fazer neste momento para não interferir com a investigação judicial seria suspender os procedimentos internos, incluindo o apuramento concreto de responsabilidades disciplinares, até agora congelado. Embora haja autonomia entre o processo-crime e o processo disciplinar, a actuação do fisco fica parcialmente a aguardar o desfecho do inquérito criminal em curso no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa.

A equipa de investigação da PJ e do Ministério Público procura esclarecer a situação concreta do “apagão” e determinar a quem se pode imputar a autoria dos erros. Em causa está o facto de nem toda a informação bancária contida em 20 declarações enviadas ao fisco através do Portal das Finanças ter ficado registada no “armazém” central de dados da AT. As falhas terão acontecido entre Julho de 2013 e Junho de 2016, ocultando dos inspectores tributários cerca de 10.000 milhões de euros de transferências realizadas de 2011 a 2014, a larga maioria a partir de contas sediadas no BES.

O PÚBLICO sabe que foi defendido no fisco que avançar com um inquérito disciplinar enquanto decorre a acção da PJ e do Ministério Público não acrescentaria nenhum valor ao trabalho judicial e que a actuação dos serviços poderia até prejudicar o esclarecimento dos factos. Argumento: correr em paralelo com o inquérito criminal e um eventual inquérito disciplinar seria prejudicial para a investigação. Significa isto que, neste momento, estão ainda por apurar as eventuais responsabilidades dos serviços e das empresas que fornecem serviços informáticos à AT. No DIAP ainda não havia até Dezembro arguidos constituídos, segundo a informação confirmada oficialmente pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Conter a prescrição

Depois de meses sem esclarecer se e o que foi desenvolvido internamente para avaliar as responsabilidades internas na AT, o actual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, confirmou ao PÚBLICO esta semana que o processo interno se encontra suspenso enquanto decorrer o processo no DIAP, mas não concretizou pormenores, apenas admitindo que podem avançar acções que não colidam com os “pressupostos que levaram à suspensão” dos procedimentos internos, ou seja, aquilo que não obstaculizar o inquérito do Ministério Público.

A 13 de Julho, ainda antes de ser aberto o inquérito no DIAP, mas quando os elementos do caso do “apagão” já tinham sido remetidos ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), a directora-geral do fisco, Helena Borges, manda abrir um inquérito para ver se os factos apontados na auditoria da Inspecção-geral de Finanças (IGF) podem implicar responsabilidades disciplinares.

É nessa altura que avançam pedidos de esclarecimentos internos. Ainda se ponderam auditorias e é avaliada a compra de serviços externos para novas perícias, como ordenara o anterior secretário de Estado, Fernando Rocha Andrade. Mas algo leva o processo a ficar congelado.

Quem estava com o processo em mãos soube pela comunicação social que o Ministério Público abrira, em Agosto, o processo de inquérito. E então avançam as reuniões informais entre as duas partes.

A IGF concluiu ter existido em Maio de 2013 uma alteração de comportamento na aplicação informática usada para registar os dados das declarações das transferências para offshores. Mas o fabricante alegou que essa actualização “não deveria ter impacto nas aplicações”; e embora os peritos do Instituto Superior Técnico (IST) que colaboraram com a IGF apontem para esta coincidência, e para uma alteração de parametrização das operações, dizem que não há uma “confirmação inequívoca” de que o comportamento se alterou por causa da tal alteração.

Perante os resultados da IGF, os serviços do fisco consideraram que assumiria especial importância o que aconteceu em 2013, para apurar se há responsabilidade de dolo ou negligência. Mas neste cenário, concluíram, já estaria prescrito desde Maio de 2014 o prazo de prescrição para instaurar um procedimento disciplinar. Como ao mesmo tempo decorre o inquérito-crime, foi considerado que, aí sim, se possa avançar com uma infracção disciplinar caso fiquem provados factos como infracção penal.

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