Mais uma lápide no cemitério de falências do futebol italiano

Tribunal declarou falência do Vicenza, o mais recente clube italiano a passar por dificuldades. Em década e meia foram quase 150

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Adeptos do Vicenza num dos jogos da equipa esta temporada Vicenza Calcio/DR

Aqui jaz (preencher com o nome do clube). Como num cemitério, a vertigem de falências no futebol italiano não parou de fazer vítimas nos últimos anos, e o Vicenza é apenas o mais recente emblema a passar por dificuldades. Sem conseguir cumprir com as despesas, o clube viu a falência ser decretada pelo tribunal, ao mesmo tempo que foi nomeado um administrador judicial, que tentará controlar a situação e permitirá que a equipa dispute o campeonato até ao final da temporada.

Com um total de 37 presenças no primeiro escalão do futebol italiano, o Vicenza pode orgulhar-se de ser o clube por onde passaram dois futuros Bola de Ouro: Paolo Rossi (distinguido em 1982) e Roberto Baggio (em 1993). A melhor classificação dos “biancorossi” na Serie A foi o segundo lugar de 1977-78, antes de conquistar a Taça de Itália frente ao Nápoles, em 1996-97 (com 3-1 no conjunto das duas mãos). O Vicenza também tem história europeia, com a presença nas meias-finais da Taça das Taças, em 1997-98, tendo caído perante o Chelsea, que viria a conquistar o troféu.

Mas, nos tempos mais recentes, o emblema que, em Março, completará 116 anos de história, andava longe dos dias de glória. Em 2015 evitou a bancarrota, graças ao auxílio de um grupo de empresários da cidade, que entrou com dinheiro para evitar o pior. Despromovido ao terceiro escalão, viu as dificuldades voltarem em força. Em Dezembro, e há já vários meses sem receber, os jogadores disseram basta: cansados de promessas vãs e reuniões inconclusivas com o novo proprietário, decidiram não comparecer ao derby com o Pádua. A direcção ainda tentou enviar os juniores, mas os sócios barraram a saída do autocarro e o tribunal declararia a falência do Vicenza. Para além do incumprimento salarial, também estão a ser investigadas as contas de 2016 e 2017 por suspeita de irregularidades. No campeonato que disputa o Vicenza, em Novembro, já tinha sido excluído o Modena, também falido, após faltas de comparência sucessivas.

Ciclo vicioso

Os problemas são recorrentes no futebol italiano, especialmente nos escalões inferiores. Num trabalho bastante profundo dedicado à fragilidade financeira dos clubes do terceiro escalão, o diário La Repubblica escrevia em 2015: “O último relatório disponibilizado pela Federação é de 2014, anterior à reforma dos campeonatos, e baseado apenas nos documentos apresentados pelos clubes. As receitas em média são de 3,1 milhões, enquanto os gastos ascendem a 4,2 milhões por temporada. Isto quer dizer que, em média, cada clube perde 1,1 milhões por época”. Desta forma vai-se perpetuando um ciclo vicioso sem fim à vista. “Os clubes fazem equipas ambiciosas, acima dos meios que têm, na esperança de conseguirem a promoção e chegarem às receitas milionárias dos direitos televisivos da Serie B. Mas quem não atinge esse objectivo vai à falência”, notava Massimo Mazzitelli.

Dados recolhidos pela Sky cifravam em 146 as falências de clubes italianos desde 2002-03 – uma contabilidade iniciada com a queda da Fiorentina, um momento traumático para milhares de adeptos que, de um dia para o outro, viram o clube cair para o quarto escalão do futebol italiano. Há na lista da Sky emblemas que em mais de uma ocasião nestes 15 anos viram a inscrição nos campeonatos recusada por incumprimento. Trata-se de um problema estrutural, analisou Angelo Palmeri, colunista do portal Sportnews SNAI, em declarações ao PÚBLICO: “É como uma praga no nosso futebol. A culpa é das autoridades desportivas, que permitem que os clubes continuem a sobreviver, mesmo quando é evidente que não têm meios, especialmente se estiverem em causa emblemas importantes, com tradição ou presenças na Serie A”.

“Faltam mecanismos rigorosos para evitar fraudes. O caso do Parma é um exemplo, entraram no clube pessoas sem dinheiro e defraudaram-no. Também terá havido desvio de verbas de transferências”, acrescentou Angelo Palmeri, que não vê a crise a ficar por aqui: “É provável que venhamos a assistir a mais falências. Por exemplo o Foggia, cujo proprietário foi detido e acusado de fazer lavagem de dinheiro da máfia através do clube. Como se pode ver, há muito lixo debaixo do tapete.”

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos. Ouça também o podcast

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