Câmara decidiu não atribuir Interesse Municipal ao Foco em 2012

Rui Moreira acusou organismos do património de centralismo e exigiu competência que a Câmara já tem, mas não exerceu neste caso.

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A propósito da discussão sobre uma intervenção num prédio do Foco, que muitos pedem para que seja classificado, Rui Moreira pediu poderes que as câmaras já têm Adriano Miranda

O presidente do município do Porto acusou, na última reunião de câmara, os organismos de tutela do património de terem tido uma atitude centralista ao não classificarem o complexo residencial do Foco, mas a própria câmara abdicou, em 2012, de dar maior protecção a esta obra de Agostinho Ricca. A autarquia poderia ter classificado este edificado como conjunto de Interesse Municipal, utilizando uma prerrogativa legal que Moreira reclamou para o poder local mas que este, na verdade, já pode exercer pelo menos desde 2009.     
O pedido de classificação deste conjunto urbano, proposto pelo próprio arquitecto Agostinho Ricca em 2006, tinha sido arquivado em Setembro de 2010 pelo Instituto de Gestão do Património (Igespar), após parecer da Direcção Regional de Cultura do Norte, que não identificara “valor nacional” nesta obra. Nesse mesmo ano, a arquitecta Graça Correia, uma das vozes que agora se insurgiram contra a possibilidade, abortada, de alteração da fachada de um dos prédios do Foco com uma intervenção do artista urbano Vhils, insistiu com um novo pedido de classificação junto do Igespar, e obteve a mesma resposta, como explicou na semana passada ao PÚBLICO.

Mas, como sucede nestes casos, é sempre possível a classificação de âmbito local. Só que é a própria autarquia, então liderada por Rui Rio, a comunicar à Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC — que sucedeu ao Igespar), em 9 de Março de 2012 que decidira “não desenvolver procedimento de classificação como de IM [Interesse Municipal], por considerar que a protecção do conjunto está salvaguardada através do Regulamento do Plano Director Municipal do Porto”, lê-se na página da DGPC referente a este processo. A inscrição de um bem imóvel no inventário que acompanha o regulamento sinaliza casas, prédios ou sítios da cidade com interesse patrimonial, mas não confere o mesmo estatuto que uma classificação, abrindo portas a que, numa interpretação legítima, e sobretudo legal, possam ser aprovadas alterações ao edificado. 

O PÚBLICO pediu ao município do Porto que esclarecesse por que motivo, perante o que a lei já estabelece, Rui Moreira anunciou, na terça-feira que as áreas metropolitanas vão propor a possibilidade de serem as câmaras a classificar os imóveis com interesse municipal – ou “com interesse para a cidade”, como se lê no próprio site da Câmara.  Em resposta escrita, o gabinete de comunicação reiteira a interpretação de que "não é possível aos Municípios, neste momento, e de forma autónoma, classificar patrimonialmente imóveis de interesse municipal", alegando que este procedimento carece "de prévio parecer favorável da DGPC".

Ora, a Lei de Bases do Património Cultural prevê, de facto, a intervenção das autoridades regionais de tutela do património nos processos de classificação de nível municipal por via da emissão de um parecer, como se pode ler no seu artigo 94, mas nada é dito sobre o seu caracter vinculativo. Mais ainda, o decreto-lei  309/2009 dispensa a elaboração desse parecer quando o processo é enviado para os municípios para avaliação de eventual interesse municipal de imóveis cuja classificação superior não foi aceite, como aconteceu no Foco.

Um especialista na área do património explicou ao PÚBLICO que os organismos do sector podem considerar, ao analisar uma proposta de um município, que o estatuto de protecção até deve ser superior (Interesse Público ou Monumento Nacional), situação em que o processo é então avocado pela Direcção-Geral do Património Cultural. Mas, mesmo aqui, o bem a proteger não fica em causa, pelo contrário. E, em qualquer uma das tipologias de classificação, a mera abertura de um processo de classificação garante desde logo um estatuto de protecção, valido enquanto a iniciativa é analisada. 

Sobre este outro aspecto, na reunião do executivo em que produziu estas afirmações, durante o debate de uma recomendação do PS sobre o caso do Foco, Rui Moreira acrescentou ainda que pretendia que, no âmbito da proposta de descentralização a apresentar pelas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, fosse transferida para o poder local a prerrogativa de definir as zonas de protecção em torno dos bens a classificar. Mas até isso está já previsto na lei. 

No artigo 58.º do decreto-lei 309/2009 refere-se que “os bens imóveis classificados, ou em vias de classificação, como de interesse municipal podem dispor de uma zona especial de protecção provisória ou de uma zona especial de protecção, quando os instrumentos de gestão territorial não assegurem o enquadramento necessário à protecção e valorização do bem imóvel, mediante deliberação do órgão autárquico competente”. E, no ponto seguinte, remete para o disposto no capitulo III, com as “necessárias adaptações”.

Se este procedimento tivesse sido aplicado ao Foco, o município poderia, se fosse esse o seu entendimento, impedir obras até no interior dos edifícios. Aliás, contactada pelo PÚBLICO, a arquitecta Soraya Genin, recém-eleita presidente da Comissão Nacional Portuguesa do Icomos, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, considerou que a preservação da integridade de uma obra arquitectónica relevante não pode passar apenas pela manutenção das suas fachadas, mas deve incluir a protecção dos interiores. 

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