A política, sob o signo da empatia

A entrada da palavra “empatia” na linguagem corrente é um fenómeno que não tem mais do que uns vinte anos. Na bolsa de valores lexicais, a “empatia” conquistou uma massa de investidores que deixaram cair a “simpatia” nos índices de baixo apreço e escassa fluidez. E assim a palavra deixou de ter um uso erudito e científico enquanto conceito da Estética (surgido na segunda metade do século XIX), da Psicanálise (com Freud) e da Fenomenologia (com Husserl), para se alojar na fala quotidiana que prolonga em casa e na rua o idioma mediacrático. A imitação como lei fundamental dos tropismos sociais, que Gabriel Tarde – um sociólogo pioneiro - analisou ainda no final do século XIX, é um automatismo maravilhoso de se ver, quando age como uma força cega, sem origem nem destino, e comanda os contágios afectivos que se difundem na neblina. Alguém que estudasse a história semântica da palavra “empatia” enquanto ideia, iria perceber que é preciso ligar a fortuna muito recente dessa palavra ao triunfo dos afectos públicos. As afecções que dantes eram da ordem do privado e só na arte – ou pouco mais – ganhavam uma elaboração pública e eventualmente colectiva (como acontece, por exemplo, no teatro), configuram hoje toda a esfera pública: da publicidade à indústria da comunicação, das sociedades empresariais (que chamam “colaboradores” aos trabalhadores e integraram as técnicas do management afectivo) à vida política. Em suma: do capitalismo afectivo à política dos afectos. O que podemos facilmente perceber é que a afecção, sob o nome mágico de “empatia”, está terrivelmente inflacionada na teoria e nas práticas contemporâneas.

Por cá, a “empatia” tornou-se também um valor muito apreciado e um ideal a perseguir, bem visível nesse aparelho de captura que são os afectos sub specie política. Dantes, bastava aos políticos parecer simpáticos; agora, têm de ser empáticos. Falo aqui dos afectos não como um cínico que é impermeável aos seus efeitos e os recusa de maneira ácida, mas como alguém que muitas vezes se sente capturado. Essa gaia política até nos pode encher de júbilo nos momentos em que aspiramos por um suplemento, mas o preço que pagamos por ela é alto e não podemos esquecê-lo. Sem prescindirmos dos afectos, melhor seria que eles não contaminassem a política. O que é afinal uma política dos afectos? É a última estação da despolitização moderna, da neutralização do político. É o ideal do consenso (palavra cujo sentido é muita próximo de “empatia”), realizado por meio de automatismos pouco racionais. É, na sua dimensão de espectáculo, a produção de experiências pré-fabricadas. Em última análise, o investimento afectivo na esfera pública (não apenas aquela a que a política dá forma), tal como ele hoje é feito por meios poderosos (veja-se como emerge por todo o lado um populismo digital que depois se transmite a todos os domínios da experiência cultural, social e política), faz-nos regressar aos sonâmbulos de Tarde, magnetizados por emoções que se difundem como manchas de óleo no corpo social. Uma tarefa da política à altura do nosso tempo deveria consistir em interromper esta lógica e não em potencializá-la. A política e o capitalismo afectivos criaram as condições para um regresso à “ética”, que se tornou uma musa de invocação. A ética, neste caso, seguindo uma tradição moderna, é mais ou menos sinónimo de moralidade e acaba por se tornar uma “ideologia”. Na vida política, mais vazio e neutralizante do que o discurso afectuoso, é o da “viragem ética”, sob o qual se esconde um outro aparelho de captura que funciona em sintonia com o primeiro, o da empatia.

 

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