Ouro: uma relíquia do passado?

Do ponto de vista estratégico, é importante manter as reservas de ouro de que o país dispõe.

Certamente. Mas fará sentido que Portugal, um dos países com as maiores reservas de ouro do mundo (13.ª posição), aliene as suas reservas de ouro? Existem várias razões para manter as reservas de ouro.

Note-se, em primeiro lugar, que o sistema de moeda fiduciária sem convertibilidade, baseado no dólar, é relativamente recente: ocorre com a decisão do Presidente Nixon de abandonar esse padrão em 1971, há “apenas” quase 47 anos. Não que se advogue o regresso ao padrão ouro, mas o período desde 1971 foi caracterizado por um crescimento muito significativo do sistema financeiro e do endividamento global das economias desenvolvidas. Afigura-se ainda que o sistema financeiro internacional baseado no dólar está sob tensão significativa. O Institute of International Finance estima que a dívida global (privada e pública) representa 327% do PIB, com o crescimento muito rápido da dívida sobretudo nos países emergentes, em particular, na China, onde se estima que ascenda presentemente a 304% do PIB, quando há um ano atrás seria de 250% do PIB.

Por outro lado, a situação macroeconómica dos EUA não é famosa. A sua dívida total representava 334% do PIB em 2016, com uma dívida externa elevada, elevados défices da balança comercial e da balança corrente e uma dívida pública também elevada.

Afigura-se que o sistema financeiro está num processo de transição do dólar para outra moeda, que não se sabe bem qual será. A tensão e incerteza geopolítica que acompanha este processo leva várias potências como a China e a Rússia, mas também em menor grau a Alemanha, a acumular reservas de ouro e outros activos reais, i.e., a procurar reduzir os seus activos denominados em dólares, que colocam essas potências na dependência dos EUA.

O euro poderia ser um porto seguro neste processo, mas não é. A instabilidade política que se vive dentro da zona euro, com a adopção de políticas económicas que favorecem uns países (sobretudo credores) em prejuízo de outros e diversos jogos internos contraproducentes de soma nula, fragiliza o euro e poderá mesmo levar, a prazo, à desintegração da zona euro.

Aliás, é possível que no contexto das actuais reformas da zona euro venha a ser exigido que os bancos centrais nacionais só possam aceder a liquidez adicional, via o sistema de compensações entre bancos centrais nacionais (o TARGET2), se oferecerem como colateral dívida de países credores ou as reservas de ouro do próprio país. Se tal sistema vier a ser imposto, não somente Portugal, Itália e provavelmente França ficariam sem as suas reservas de ouro, como também ver-se-iam posteriormente forçados a sair do euro. Afigura-se, por isso, que Portugal deve negociar com países como Itália e França de forma a vetar essas eventuais propostas de alteração das regras do TARGET2.

Se, nas próximas décadas, ocorrer uma transição do sistema financeiro internacional e do sistema de comércio internacional do dólar para outra moeda, afigura-se que essa transição se fará com o recurso indirecto ao ouro como instrumento de reservas internacionais. Ou seja, do ponto de vista estratégico, é importante manter as reservas de ouro de que o país dispõe.

Afigura-se que somente poderia fazer sentido alienar essas reservas de ouro se estas se apreciassem de tal forma — valerão no momento cerca de 13 mil milhões de euros — que permitissem amortizar uma parte significativa da dívida externa (407 mil milhões de euros no 3.º trimestre de 2017) e pública (cerca de 243 mil milhões de euros em Novembro de 2017) do país. Mas tal cenário de apreciação do ouro não parece provável... pelo menos para já.

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