Inclusão na Europa: a tartaruga e a lebre

Em muitos países da nossa Comunidade Europeia, a educação de crianças e jovens com dificuldades em instituições “especiais” é ainda a norma.

Foi publicada a 17 de janeiro uma proposta de recomendação ao Conselho da Comunidade Europeia sobre a “promoção de valores comuns, educação inclusiva e na dimensão europeia de ensino” (COM-2018 – 23). Quando lemos um documento com o teor deste sentimo-nos mais europeus, seja lá o que isso quer dizer... Sentimo-nos europeus por ver escrito num documento orientador um conjunto de princípios que se inspiram numa visão lidimamente humanista, apelando para a qualidade da educação e para uma qualidade que abranja todos e não só alguns. Este documento opõe-se claramente à falácia liberal sobre educação. Os liberais alcandoram a liberdade e a responsabilidade ao lugar mais alto dos princípios educacionais. E sem dúvida que a educação sem um horizonte de liberdade e sem encorajar a responsabilidade é uma empresa falhada e puramente doutrinadora. No entanto, ao colocar a liberdade como valor supremo, a ideologia liberal esquece que a liberdade pode ser uma armadilha dado que, se não forem proporcionados os instrumentos para dela usufruir, ela se torna irrelevante e mesmo um argumento contra aqueles que a deviam ter mas que a não sabem aproveitar e usar. Ora este documento, ao realçar a importância do ensino de qualidade para todos, chama-nos a atenção para a indispensabilidade de proporcionar a todos, como condição prévia e à partida, condições para poderem usufruir de uma educação de qualidade, de liberdade e de efetiva responsabilidade.

Em relação à Educação Inclusiva, isto é, ao modelo que para além de pugnar pela educação de qualidade para todos os alunos, proclama que esta educação de qualidade tem vantagens em ser desenvolvida em ambientes naturalmente heterogéneos e diversos, este documento traça três recomendações que brevemente iremos comentar.

A primeira afirma que “todos os alunos devem ser incluídos em sistemas educativos de qualidade desde as primeiras idades”. Realçaríamos dois pontos nesta recomendação. Antes o facto de mais falar em “todos”. “Todos” significa que não é admissível que alguém se conforme com o abandono escolar. Se um sistema educativo se conforma com o facto de um aluno querer ou ter que abandonar a escola — mesmo que momentaneamente não veja a pertinência de lá estar — infringe esta recomendação que espera que todos cheguem ao fim da sua escolaridade. O outro aspeto diz respeito a “sistemas educativos de qualidade”. Sempre nos lembramos que, por vezes, são os alunos que têm mais necessidade de educação e aqueles que sem ela não podem progredir que, paradoxalmente, frequentam os sistemas educativos com menor qualidade.

A segunda recomendação é “proporcionar o apoio necessário aos alunos de acordo com as suas necessidades, incluindo aos que são oriundos de meios socioeconómicos desfavorecidos, os alunos migrantes, os alunos com necessidades educativas especiais e os alunos sobredotados”. Tal como a primeira recomendação, esta realça que a Educação deve ter uma preocupação particular com os valores da equidade, isto é, que ninguém seja excluído de uma educação de boa qualidade por características pessoais como ter necessidades específicas de educação devido a sobredotação ou a uma condição de deficiência ou por fatores sociais tais como o meio socioeconómico ou o estatuto de migrante. Proporcionar este apoio necessário é antes de mais uma medida de justiça social, dado que os alunos com estas características não podem ser punidos por terem características que não pediram e pelas quais não são, certamente, responsáveis.

Por fim recomenda-se a “necessidade de facilitar a transição entre os diferentes níveis de escolarização permitindo o acesso a uma orientação vocacional e educacional adequada”. Esta recomendação faz todo o sentido em particular em Portugal, onde os diferentes ciclos da escolaridade obrigatória têm formas de organização e de objetivos tão diferentes. Lembraríamos a este título a transição tão abrupta do 1.º para o 2.º ciclo e do 3.º ciclo para o que seria agora considerado o 4.º ciclo (anteriormente “o secundário”).

Estas propostas de recomendação têm uma pertinência particular em muitos países da União Europeia que têm sido muito lentos e preconceituosos no desenvolvimento de políticas de Educação Inclusiva. Em muitos países da nossa Comunidade Europeia, a educação de crianças e jovens com dificuldades em instituições “especiais” é ainda a norma. Por isso é tão importante que estas recomendações sejam adotadas. Mas têm também um impacto em Portugal. Apesar de Portugal ter avançado mais rapidamente no desenvolvimento de modelos educativos inclusivos que muitos países da comunidade, resta-nos ainda muito caminho para andar. Muitos alunos com dificuldades nas nossas escolas não têm “todos” a “qualidade que merecem”, não dispõem do “apoio necessário” para ultrapassar as suas dificuldades, não conseguem progredir harmoniosamente através dos diferentes ciclos de escolarização. Por isso, estas recomendações são úteis para todos: para os que se avaliam mais à frente e para os que se assumem mais atrás. O importante é que todos os países europeus, toda a Comunidade Europeia, progrida o mais rápido e melhor que consiga de molde a proporcionar a todos os alunos uma educação inclusiva de qualidade com particular atenção àqueles que, por injustiças sociais, estariam condenados a uma educação “de segunda categoria”. E a este respeito, nada de excessos de confiança. Foi um europeu que escreveu a fábula da Tartaruga e a Lebre.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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