Listas transnacionais, primeira vitória: Costa teve de se definir!

Costa esclareceu que afinal é contra as listas transnacionais. Se sempre as rejeitou, aquela assinatura de 10 de Janeiro terá sido um ensaio, um teste, um acto falhado, um momento de fraqueza?

1. Escrevi aqui, a 9 de Janeiro, um artigo contra a adopção das listas transnacionais, por elas serem contrárias ao interesse nacional e ao interesse europeu. O artigo termina com um apelo ao Governo para tomar uma posição forte e liderar um movimento europeu contra a criação de tais listas.

A resposta chegou no dia seguinte, a 10 de Janeiro, com uma assinatura solene do primeiro-ministro. Na Cimeira dos países do Sul, António Costa juntou o seu nome (e com o dele, o português) a uma declaração que dava um sinal político de apoio e encorajamento às listas transnacionais. E tanto dava esse sinal, que ele foi assim percebido nos meios diplomáticos e políticos de Bruxelas. A diplomacia francesa – que é de longe a mais empenhada na criação do círculo comum europeu – espalhou junto de todas as congéneres e nos corredores do Parlamento Europeu que Portugal se juntara à corrente favorável à criação das listas.

Imediatamente, procurei reagir a este desenvolvimento negativo. Chamei a atenção para que uma tal posição – ainda que tisnada por linguagem diplomática e expressa numa cimeira regional informal, sem efeitos jurídicos vinculativos – estava a ser interpretada como um sinal político forte que suscitava apreensão e perplexidade. Na mais benévola das hipóteses, gerava ambiguidade, duplicidade e incerteza quanto à disposição do Estado português. E, pior, significava uma tomada de posição em matéria eleitoral – matéria em que o Parlamento português tem competência exclusiva e terá, mais tarde ou mais cedo, de se pronunciar – sem que tivesse havido qualquer debate parlamentar, consulta aos partidos ou discussão pública. Como pode António Costa ter adiantado uma posição sobre um assunto destes – decisivo em sede de representação do Estado português nas instituições europeias – sem cuidar de o discutir dentro de portas?

O debate público, apesar de pouco visível, dada a importância do assunto, seguiu o seu caminho. E não faltaram vozes de todos os quadrantes, incluindo do PS, a manifestar-se contra a criação do círculo único europeu. No sábado passado, Costa falou em discurso directo num artigo do Expresso, em que estranhamente só foram ouvidos dirigentes e deputados europeus do PS (apesar de se discorrer largamente sobre a posição do PSD e do PPE). Costa vem esclarecer – espero que a título definitivo – que afinal é (e sempre terá sido) contra as listas transnacionais. Se sempre as rejeitou (e não vou aqui contrariá-lo), aquela assinatura de 10 de Janeiro terá sido um ensaio, um teste, um acto falhado, um momento de fraqueza? Pode ter sido isso e só isso. Apesar da cortina de fumo que, a vários títulos, se lançou sobre a matéria (designadamente nesse artigo do Expresso), o esforço valeu a pena! Mercê da discussão pública que se seguiu, todos os que nela interviemos conseguimos obrigar António Costa a optar por uma posição clara contra as listas transnacionais! Já só resta que tenha a coragem de ser consequente e não voltar a hesitar, não voltar a tergiversar. As instâncias impenitentes de Macron (e dos que logra converter) não pararão até 23 de Fevereiro.

2. Com a fumaça que os meios do Governo, na velha tradição das “narrativas” de Sócrates, tentaram lançar, impõe-se dizer algo mais. Primeiro, alega-se que a posição do PPE é a favor das listas, quando a posição oficial do grupo, imposta por 20 delegações de países médios e pequenos e pela Alemanha, é contra. A posição “contra” foi adoptada na sequência de uma iniciativa liderada pelo PSD. Isso não significa que haja uma férrea disciplina; pelo contrário, por estar em causa uma matéria típica de interesse nacional, cada delegação acabará a seguir o seu próprio rumo. Já os socialistas e os liberais europeus são a favor; mas isso não impede que delegações nacionais votem de modo diferente. Veremos o que faz o PS.

Segundo, alega-se uma mudança de posição. Em especial, por reporte a uma resolução de 2015, em que se diz que se aprovaram as listas transnacionais. Não houve, nesse caso, câmbio de posição. Mas que se saiba, ainda não é proibido mudar de posição! Especialmente, se houver motivos fundados ou alteração de circunstâncias. Em 2015, no texto da resolução não se falava do círculo único: era apenas referido num considerando prévio e no anexo. Isso não foi um acaso, foi o reflexo da divisão então existente quanto ao tema. A resolução versa todo o direito eleitoral, com apelo a múltiplas reformas importantes: evitar o voto por um mesmo cidadão em dois países; direito de voto para europeus fora da União; inserção de siglas europeias no boletim de voto; harmonização de calendário e horário; etc. A matéria das listas foi aliás sujeita a uma salvaguarda expressa de unanimidade no Conselho. Em bom rigor, a regra da unanimidade resulta dos Tratados, mas foi reforçada no anexo para sublinhar que havia uma garantia de que um país, só por si, podia travar as listas! Com esta cláusula de salvaguarda, não havia motivo para paralisar todas as outras alterações (que eram muitas e relevantes). E, por isso, não se votou contra. Estava lá preto no branco que só com a vontade explícita dos 28 Estados, uma medida dessas, poderia avançar. Ficou claro: Portugal sozinho podia (e pode) impedi-las.

De resto, hoje mesmo, vota-se a distribuição de lugares para a legislatura de 2019-2024 na Comissão de Assuntos Constitucionais. Aí, como vimos antes, a situação de Portugal e dos países médios está acautelada. Não deve haver surpresas até e para lá de 2024. Em todo o caso, os apoiantes da lista transnacional inseriram abusivamente esse assunto no relatório, apesar de ele ser de outro foro (o do direito eleitoral). É um mero apelo político, contra o qual votarei. Mas, obviamente, e sem nunca conceder nesses votos da especialidade, votarei globalmente a favor do relatório da distribuição de lugares. Isso em nada significa que apoie as listas transnacionais. Mas do fumo e da fumaça não me livro.  

Sim

Martin Schulz. Embora com margem estreita e ainda sujeito a um referendo final, levou a sua aposta por diante. E a marca de água do seu europeísmo está lá.

Não

Emmanuel Macron. A campanha feroz que a França está a fazer pelas listas transnacionais arrisca-se a ser o lado obscuro e “napoleónico” de uma liderança inspiradora.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários