Vhils: “Gostaria de partilhar a minha decisão de não avançar com uma intervenção” no edifício de Agostinho Ricca

Num depoimento enviado ao PÚBLICO, o artista plástico revela que subscreve todas as iniciativas para preservar a obra do arquitecto modernista

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Adriano Miranda

O edifício de escritórios Santo António, no Foco, Porto, já não terá na fachada uma intervenção de Vhils e, num depoimento enviado ao PÚBLICO, o artista plástico revela que a decisão de se afastar do processo foi dele. “Gostaria de partilhar a minha decisão de não avançar com uma intervenção no exterior do edifício”, refere Vhils no depoimento escrito, no qual refere ainda que está “aberto a qualquer convite que seja para realizar um trabalho que faça sentido para a área/zona em questão, e que contribua, positivamente, para a comunidade local.”

Depois de a Câmara do Porto ter anunciado, na reunião do executivo desta terça-feira, que o edifício desenhado pelo arquitecto Agostinho Ricca (1915-2010), em co-autoria com João Serôdio e Magalhães Carneiro, já não iria contar com a prevista intervenção artística de Vhils, o artista decidiu pronunciar-se sobre a polémica que surgiu na semana passada, depois de uma imagem virtual, que mostrava o rosto de uma mulher esculpido numa das fachadas do prédio de escritórios, ter sido fortemente contestada. Encabeçado por arquitectos, o protesto culminou mesmo numa petição pública, pedindo a classificação do conjunto arquitectónico do Parque Residencial da Boavista, mais conhecido como Foco.

No depoimento enviado ao PÚBLICO, Vhils (nome artístico de Alexandre Farto) diz ter “um enorme respeito e admiração pela obra e pelo trabalho do arquitecto Agostinho Ricca”, pelo que aceitou “de bom grado” o convite dos proprietários do prédio (Atitlan Real Estate Porto Imóveis) e do gabinete de arquitectura responsável pela reabilitação do mesmo (Barbosa & Guimarães) “para pensar numa intervenção artística para uma parte do edifício, que não comprometesse a integridade do mesmo”. A imagem que veio, posteriormente, a ser divulgada por uma mediadora imobiliária não era mais do que um dos vários “estudos visuais” desenvolvidos pelo artista e não o resultado final do que poderia ser a intervenção a desenvolver, realça.

Defendendo que a salvaguarda do património arquitectónico e artístico das cidades é “um acto nobre”, e que tem sido transversal à sua obra, Vhils acrescenta: “Subscrevo, integralmente, as manifestações e o trabalho realizado no sentido de preservar todo o património do arquitecto Agostinho Ricca, assim como de outros que marcaram o percurso da arquitectura portuguesa. Partilho todas as preocupações expressadas em público por parte dos arquitectos Álvaro Siza Viera e Eduardo Souto de Moura, entre muitos outros, cujo trabalho e obra tanto admiro.”

O artista, reconhecido internacionalmente, e que se começou a ser notado pelas suas intervenções em edifícios degradados, defende que a arte urbana “pode e deve assumir um papel importante no sentido de contribuir para chamar a atenção e a trabalhar zonas esquecidas da cidade, facto que pudemos constatar neste caso específico, ainda que involuntariamente”. E argumenta que a cidade é “daqueles que a vivem” e nunca “um meio estático”, pelo que “tem de saber aceitar as novas manifestações artísticas do seu tempo”. “O papel daqueles que pensam e planificam a cidade deverá contemplar as várias tribos urbanas com quem partilham a vivência no seu espaço”, argumenta.

Sem se referir a algumas críticas mais duras ao seu trabalho que surgiram nas redes sociais, Vhils escreve: “Há uma forte energia criativa e artística, a par de uma vontade participativa, que vive neste momento a cidade, que deverá ser aproveitada e não marginalizada. Tenho sempre trabalhado no sentido de criar espaço e diálogo para os artistas se expressarem na cidade, sobretudo os da nova geração e aqueles que se têm expressado de forma mais marginal, para que façam parte desta orgânica que dá forma à cidade.”

O artista explica, depois, que foi “nesta perspectiva de diálogo construtivo” que decidiu não intervir na fachada do edifício Santo António. E deixa um desejo para o futuro: “Que este movimento que demonstrou valorizar este edifício em particular, e a obra de Ricca em geral, sirva pra construirmos, em conjunto, este novo diálogo entre todos.”

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