O aeroporto mais inútil do mundo?

Maria João Gaspar e José Filipe de la Fuente estão a bordo do Royal Mail Ship. Este é o relato da última viagem do navio até Tristão da Cunha, ilha perdida no Atlântico Sul.

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Escadas de Jacob José Filipe de la Fuente
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Diana's Peak, o ponto mais alto da ilha José Filipe de la Fuente
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José Filipe de la Fuente
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Vale dos Tubarões José Filipe de la Fuente
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José Filipe de la Fuente
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Vale dos Tubarões José Filipe de la Fuente
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Transporte de carros para o RMS José Filipe de la Fuente

O mais famoso residente de Santa Helena pode, em tempos, ter sido Napoleão. Mas hoje essa honra pertence a Jonathan. Visitamo-lo num final de tarde luminoso, em que repousa no relvado da Plantation House, a encantadora mansão do século XVIII que serve de residência aos governadores da ilha e que a actual detentora do cargo tornou mais acessível às visitas do público. Jonathan tem, pelo menos, 185 anos, está cego e move-se muito lentamente, chegou a Santa Helena em 1882 e conheceu 27 governadores, enviados por Londres para presidir aos destinos da ilha com maior ou menor competência. É uma tartaruga gigante das Seychelles, pensa-se que seja um dos animais mais velhos do mundo e não parece muito interessado nas mudanças que estão prestes a acontecer na ilha.

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Jonathan, a tartaruga que se estima ter 185 anos José Filipe de la Fuente

A 14 de Outubro de 2017, quase dois anos depois do previsto, o primeiro voo comercial aterrou no aeroporto internacional de Santa Helena. Aquele que os jornais ingleses gostam de designar como “o aeroporto mais inútil do mundo” custou 250 milhões de libras aos contribuintes britânicos (incluindo, presumivelmente, os de Santa Helena), obrigou a mover oito milhões de metros cúbicos de rocha para aterrar um vale e nele estão concentradas as expectativas de um futuro radioso. A economia de Santa Helena sempre foi deficitária, segundo uns devido à incompetência dos decisores – veja-se o novo porto em Ruperts Bay, onde os barcos maiores continuam a não conseguir atracar; segundo outros devido à crónica falta de empreendedorismo local – e o desinteresse em investir na agricultura, num local onde é tão difícil encontrar frescos nas lojas, pode ser um bom exemplo. Será o turismo a salvação?

Pelo menos a governadora, com quem conversámos no RMS, está optimista. Acaba de regressar de uma ronda de reuniões com operadores turísticos estrangeiros que estão interessados em incluir Santa Helena na sua oferta, agora que o acesso à ilha se tornou drasticamente mais simples. Os efeitos, no entanto, não deverão ser visíveis antes de 2019. Para já, Jamestown tem apenas um novo hotel – um pequeno quatro estrelas detido pelo Governo e gerido por uma cadeia sul-africana – e as ligações aéreas estão limitadas a um voo semanal, em aviões com capacidade máxima de 70 passageiros, os únicos que conseguem aterrar nas difíceis condições de vento do local. Não se pode dizer que seja muito para manter ocupados o controlador de trafego aéreo e o meteorologista de serviço, mas estima-se que seja suficiente para quadruplicar o número de visitantes, até aqui limitado a cerca de 1000 por ano.

É certo que Santa Helena nunca será um destino turístico de massas – não tem nem os atractivos nem a capacidade de resposta – mas que tipo de oferta poderá ter? Para nós, como para grande parte dos actuais visitantes, a localização remota, a forma e o tempo de chegar, a sensação de suspensão do ritmo e da realidade da vida moderna que se vive na ilha são parte do encanto. Quando isso desaparecer, o que ficará?

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Jamestown José Filipe de la Fuente

De uma coisa não temos dúvida: Santa Helena é um magnífico destino de caminhadas. A ilha tem uma surpreendente diversidade de paisagens para um território de apenas 122 km2, dos pastos verdejantes e restos de floresta nativa do interior, às extensões quase desérticas e escarpas vulcânicas do litoral.

A melhor forma de explorar esta diversidade é seguir os Post Box Walks que, ao contrário do que o nome indica, nada têm a ver com distribuição postal. Munidos do indispensável guia produzido pelo Saint Helena Nature Conservation Group, aproveitámos esta segunda estadia para acrescentar novos carimbos à nossa colecção: no final de cada caminhada, cuidadosamente guardado dentro de um tubo fixado ao solo (a tal post box), existe um livro de registo e um carimbo, diferente para cada passeio. Os percursos abrangem praticamente toda a ilha e tanto podem significar um pequeno passeio por um caminho bem delimitado como, o que é mais frequente, obrigar a vencer desníveis consideráveis em trilhos estreitos a alturas vertiginosas. A recompensa é, em quase todos, uma vista de cortar a respiração.

O outro trunfo turístico – para além, é claro, do “nicho napoleónico” – são as actividades aquáticas. A ilha tem excelentes condições para a prática de mergulho, muito perto da costa, e também para a pesca desportiva. Para não falar da possibilidade de nadar ao lado de tubarões-baleia, gigantes que podem atingir os 12m e, felizmente para os nadadores, usam as enormes bocas para comer plâncton. Esta foi talvez a única desilusão da nossa estadia: apesar de estarmos no pico da época, a saída de barco não produziu mais do que um razoável enjoo e um grupo de golfinhos.

É o nosso ultimo dia em Santa Helena. Às 6h30 estamos a pé para tentar melhorar o nosso tempo de subida da Jacob’s Ladder. Construída em 1829 para transportar carga entre Jamestown e um dos fortes militares, a sua inclinação e os 699 degraus que a constituem causam vertigens, quer sejam vistos de cima ou de baixo. Inspiramos fundo e começamos. A técnica consiste em manter um ritmo constante, não parar e usar os braços para nos irmos içando, com a ajuda do corrimão (este último ponto está sujeito a controvérsia). Chegamos ao topo ofegantes mas orgulhosos dos novos recordes pessoais: 11m35s e 15m20s, infelizmente muito aquém do recorde mundial de pouco mais de 5m.

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José Filipe de la Fuente

Cá em baixo, Jamestown começa a despertar. E Santa Helena parece-nos numa encruzilhada. Neste momento, os visitantes têm muito mais facilidade em chegar, mas continuam a ter a mesma dificuldade em encontrar um restaurante aberto. Com o fim do RMS, o transporte de carga passará a ser feito a cada seis semanas em vez das três actuais, num navio que muitos suspeitam terá grandes dificuldades em descarregar em James Bay. O turismo de natureza é assumido como uma prioridade, mas não existe uma oferta de passeios pedestres guiados e o roteiro dos Post Box Walks deixou de ser vendido no posto de turismo porque as autoridades temem responsabilidades legais no caso de algum turista sofrer um acidente. As comunicações, que nos habituámos a tomar por adquiridas, são extremamente limitadas; não existe roaming e a Internet é lenta e paga a preço de ouro (os locais dizem que o nome do fornecedor, SURE, é um acrónimo para Slow Unrelyable and Realy Expensive).

Começamos a descer e, pouco depois, embarcamos de novo no RMS St Helena, ancorado ao largo pela penúltima vez. Perguntamo-nos qual será o seu futuro. Mas a resposta, incerta como tantas coisas neste momento da vida da ilha, é uma outra história.

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