Investigadores de Coimbra aplicam darwinismo à inteligência artificial

Em teoria, o algoritmo pode ser utilizado para analisar, automaticamente, imagens médicas e detectar falhas em sistemas informáticos.

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A informática também se inspira na biologia para criar máquinas mais inteligentes Reuters/KIM KYUNG-HOON

Na missão para criar programas inteligentes, apenas os algoritmos mais aptos sobrevivem. Um grupo de investigadores portugueses da Universidade de Coimbra está a aplicar o processo de selecção natural – a teoria do naturalista britânico Charles Darwin de que a natureza elimina os organismos pouco capazes – num algoritmo para ensinar programas de inteligência artificial a reconhecer imagens sem ajuda humana. Chama-se DENSER (acrónimo inglês para Representação Estruturada de uma Rede Evolucionária Profunda) e, segundo a equipa, já superou o Google Brain, o projecto de inteligência artificial do Google, em alguns testes.

“Segue uma abordagem que é análoga à da natureza”, explica ao PÚBLICO Filipe Assunção, um dos investigadores responsáveis pelo projecto. A equipa utiliza algoritmos que imitam o processo de evolução das espécies para encontrar automaticamente estruturas de redes artificiais inspiradas no cérebro humano e treiná-las. “As redes neuronais que têm melhor performance têm maior probabilidade de ‘sobreviver’ e de se replicarem. Ao fim de algumas gerações, começam a surgir estruturas eficientes e mais competitivas”, acrescenta.

Um dos sistemas que se aproxima da solução arquitectada pelos investigadores de Coimbra é o do projecto Google Brain, que também usa métodos que mimetizam a evolução. “A grande diferença é a quantidade de conhecimento que é fornecido ao algoritmo. Nós seguimos uma abordagem algo purista”, explica Filipe Assunção. Enquanto o Google define a estrutura e área de conhecimento das redes neuronais que devem evoluir, a equipa portuguesa não programa qualquer informação sobre a estrutura das redes neuronais que o DENSER deve encontrar. “É apenas a performance que dita o processo evolucionário.”

Em teoria, o DENSER pode ser utilizado para analisar, automaticamente, imagens médicas (por exemplo, ajudar na identificação de tumores), na manutenção de sistemas de informática e mecânica (ao detectar padrões que antecedem avarias), e até detectar fraudes através de anomalias em movimentos bancários. “Mas é necessário confirmar se os resultados obtidos são efectivamente generalizáveis e se continuaremos a obter resultados competitivos”, ressalva o investigador, acentuando que a classificação de imagens vai continuar a ser um dos grandes desafios da inteligência artificial. Num estudo de Dezembro, os membros do projecto do Google mostraram que basta que um fragmento da imagem seja manipulada para as máquinas confundirem bananas com torradeiras.

A vantagem em não incluir “conhecimento a priori” é a possibilidade de descobrir redes com estruturas radicalmente diferentes das que já se conhecem. O processo tenta copiar a própria evolução da visão humana ao longo da história: “É uma área extremamente complexa porque a visão é o nosso sentido mais desenvolvido e dedicamos cerca de um terço do nosso cérebro a tarefas de visão”, justifica Filipa Assunção. “É difícil oferecer a mesma experiência a um algoritmo.”

Sem milénios para poder treinar as máquinas, a equipa de Coimbra optou por usar as bases de dados que incluem 60 milhões de pequenas imagens dividas em categorias, (por exemplo, automóvel, gato, cão, cavalo). Parece resultar. De acordo com os investigadores, o DENSER obteve melhores resultados do que o Google Brain em testes com aquelas bases de dados. “Por outro lado, por não ser baseada em conhecimento prévio, a abordagem é genérica o que permite a sua aplicação a outras áreas do conhecimento”, nota Filipe.

A equipa vai apresentar os seus resultados em maior detalhe na EvoStar, uma conferência europeia que se inspira na biologia para resolver problemas de elevada complexidade, e decorre no início de Abril.

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