Almofada da ADSE encolhe para metade e arrisca desaparecer em 2018

Sem medidas de poupança e sem abrir o sistema a mais beneficiários, a ADSE vai fechar este ano com um défice de 12,3 milhões de euros, longe do excedente de 200 milhões em 2014.

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Rui Gaudencio

A almofada financeira da ADSE tem vindo a reduzir-se e ameaça desaparecer no final de 2018. Este é o cenário que a direcção do instituto que gere o sistema de assistência na doença aos trabalhadores e aposentados do Estado antecipa, caso as medidas de contenção da despesa previstas não entrem em vigor rapidamente (em particular a nova tabela de preços) e caso falhe a abertura da ADSE a novos subscritores.

Depois de, em 2014, o sistema ter alcançado um saldo inédito de 200 milhões de euros (resultado do aumento dos descontos dos trabalhadores e aposentados, que passou de 2,5% para 3,5%), de ano para ano a almofada tem vindo a encolher. Os dados solicitados pelo PÚBLICO à ADSE mostram que, em 2016, o saldo de tesouraria era de 120 milhões de euros; no ano passado, terá ficado em menos de metade (58,5 milhões de euros) e, em 2018, entrará em terreno negativo, com a despesa a superar a receita em 12,3 milhões de euros.

Este é ainda um cenário provisório e apenas se concretizará se nenhuma das medidas que têm sido discutidas nos últimos meses for posta no terreno. Estamos a falar de duas em particular: a nova tabela de preços a pagar pela ADSE aos prestadores privados, associada a um maior controlo da facturação, e a abertura do sistema a novos beneficiários. 

A chamada de atenção já tinha sido deixada na quinta-feira pelo presidente da ADSE, Carlos Liberato Baptista, no final de uma reunião com a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) para discutir as novas tabelas de preços. Numa nota sobre o encontro, Liberato Baptista alertou para a urgência da entrada em vigor das alterações, “porque em caso contrário poderia a exploração da ADSE já no ano de 2018 vir a gerar um saldo de tesouraria negativo, considerando que se venham a manter as taxas de crescimento da despesa com o regime convencionado e com o regime livre verificadas nos últimos três anos (e não considerando eventuais medidas relativas ao alargamento do universo de beneficiários bem como outras que estão a ser preparadas pelo Conselho Directivo da ADSE no sentido de garantir a sua sustentabilidade)”.

Agora, a ADSE concretiza os valores e nota que a evolução que se tem verificado no saldo de tesouraria resulta da evolução das receitas e da despesa do sistema, em particular os gastos com a rede convencionada de cuidados de saúde. “As receitas cobradas crescem em média por ano (nos últimos anos) a cerca de 1,4% ao ano e a despesa do regime convencionado está crescer em média a 12,4% ao ano e a do regime livre a 7,5%”, adianta o presidente da ADSE.

Em 2017, a despesa com cuidados de saúde ascendeu a 551,2 milhões de euros. À volta de 70% deste valor, um pouco mais de 394 milhões de euros, destinou-se aos hospitais, clínicas e laboratórios que têm convenção com a ADSE. Os restantes 149,6 milhões dizem respeito aos médicos fora da rede e 7,4 milhões serviram para pagar medicamentos.

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Este perfil de despesa, associado ao modelo de financiamento que assenta quase em exclusivo no desconto de 3,5% sobre o salário ou a pensão do beneficiário titular, levou a ADSE a apresentar aos privados uma nova tabela de preços que permitirá uma poupança de 42,4 milhões de euros ao sistema e aos próprios beneficiários com consultas, análises, exames, cirurgias e transporte não urgente de doentes.

Grandes grupos privados pesam 64% na facturação

O reverso da medalha é que as unidades de saúde privadas que agora fazem parte da rede da ADSE verão a sua facturação reduzir-se em cerca de 30 milhões de euros. Tendo em conta que, em 2017, as entidades convencionadas apresentaram uma facturação de 460 milhões de euros à ADSE, a perda representa cerca de 6% do total.

O rombo é relativamente maior nos hospitais dos grandes grupos privados associados da APHP, que no ano passado apresentaram uma factura de 292,5 milhões de euros (quase 64% do total) à ADSE pelos cuidados prestados aos beneficiários.

São estas perdas que têm levado a APHP a insurgir-se contra a proposta apresentada pelo conselho directivo da ADSE e a ameaçar deixar de fazer parte da rede. Porém, o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, já veio pôr água na fervura lembrando que ainda há tempo para se conseguir um bom acordo - o prazo dado é o final desta semana. “Nem os privados vão deixar de prestar cuidados aos cidadãos, nem a ADSE vai ser tão rígida para não ser capaz de estabelecer uma posição equilibrada", afirmou na sexta-feira.

O problema das tabelas também se coloca nos valores que os beneficiários pagam pelas consultas e actos médicos e que não são actualizados há vários anos. A ADSE tentou alterar a tabela, mas a proposta foi recusada pelo Conselho Geral e de Supervisão (órgão da ADSE onde têm assento representantes dos sindicatos, dos beneficiários e das entidades públicas), que se opõe a agravamento de custos enquanto não se reduzir a taxa de desconto.

Abertura da ADSE a novos subscritores

A erosão da almofada da ADSE tem outras razões que se prendem com o universo de subscritores e de beneficiários (que não é exactamente o mesmo, dado que uma parte dos beneficiários, como os filhos menores, não descontam).

Desde 2011, a ADSE tem vindo a perder beneficiários, fruto das restrições à admissão de trabalhadores na função pública e do facto de os trabalhadores com contrato individual no Estado, por exemplo, não serem abrangidos. No final de 2016, a ADSE tinha 1,223 milhões de beneficiários, metade dos quais tinha 50 anos ou mais, com tendência a recorrer aos cuidados de saúde com maior frequência.

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Há vários meses que se fala na necessidade de abrir a ADSE a outros beneficiários, algo que poderia trazer subscritores mais jovens para o sistema e dar-lhe escala. Mas a ideia não é consensual.

Num primeiro momento, a intenção do conselho directivo da ADSE era criar uma nova tipologia de beneficiários (os associados), para integrar os cônjuges e familiares que agora não têm acesso. Porém, o CGS colocou reticências e pediu estudos para avaliar os impactos da entrada de mais subscritores.

Os representantes dos sindicatos e dos beneficiários entendem que num primeiro momento a ADSE deve ser alargada aos contratos individuais que trabalham nos hospitais EPE, a que se juntarão os precários admitidos no âmbito do programa de regularização que está em curso e os funcionários públicos que renunciaram à ADSE e que agora poderá voltar a aderir. Ao todo serão mais 118.700 pessoas.

O Governo, porém, não desistiu da ideia e o próprio conselho directivo da ADSE tem insistido para que a abertura seja mais ampla, permitindo compensar a redução dos preços pagos aos privados com um universo maior de beneficiários.

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