As cem sombras de branco de Vorarlberg

É a província mais ocidental e mais pequena da Áustria, um recanto onde parece quase impossível encontrar tantas atracções, tanto de Verão como de Inverno. Desde Bregenz às florestas, das novas tendências da arquitectura alpina até às pistas de esqui a perder de vista, o viandante sente-se perdido vendo o tempo fugir-lhe.

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Dietmar Walser

- Em qualquer uma das seis regiões de férias de Vorarlberg tenho os meus lugares especiais para onde gosto de ir de vez em quando, lugares que me transmitem tanta energia, uma sensação de liberdade e um sentimento tão forte de estar sempre em casa.

As palavras de Andrea Masal, que escuto com uma atenção redobrada, provocam-me um misto de curiosidade e reflexão, uma vontade enorme de partir à descoberta desses palcos de emoções e de perceber como tanto pode caber em tão pouco.

Vorarlberg é a província mais pequena — e mais ocidental — da Áustria, de Norte a Sul não são mais de cem quilómetros. O viandante pode, num momento, inspirar-se e beber a quietude nas margens do Bodensee, como encontrar-se, uma hora mais tarde e depois de percorrer uma estrada que se insinua por entre colinas delicadas, com toda sua diversidade cénica, pronto a tocar os céus nas montanhas alpinas.

Mas, ao contrário do que se possa depreender quando se fala dos Alpes, Vorarlberg recebe quase tantos turistas no Verão como no Inverno — de acordo com os números mais recentes, a região foi visitada por 1.227.059 entre Novembro de 2015 e Abril de 2016, contra 1.193.076 entre Maio e Outubro de 2016, uma estatística que ajuda a provar como é rica a oferta de Vorarlberg ao longo de todo o ano.

Andrea Masal parece determinada a convencer-me antes de iniciar a minha aventura, falando-me do que converte Vorarlberg numa província tão especial e tão atraente para o turismo ao recorrer a seis tópicos, tantos como o número de regiões de férias.

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Alex Kaiser/Vorarlberg Tourismus

- Bem, não é fácil, mas vou tentar. A arquitectura, a combinação entre natureza e a cultura, da qual o festival de Bregenz é um bom exemplo, a cultura da culinária, a sustentabilidade, incluindo a indústria da construção, a comida e a gastronomia, os agricultores e as fontes energéticas, entre outras, a variedade da paisagem e, por último, o sentido de design e modo de vida do vorarlberger, a população de Vorarlberg, enfatiza a relações públicas do turismo da província.   

Sento-me, ao início da tarde, entregue à minha solidão, de olhos postos nas águas do Bodensee, o lago (terceiro maior da Europa) que é abraçado pela Áustria, pela Suíça e pela Alemanha, bem como por um trilho de quase 250 quilómetros que se pode percorrer de bicicleta em alguns dias, dependendo da pressa (não recomendável) ou da força com que pedala.

Antes ainda de explorar a cidade de Bregenz, para a qual agora viro as costas, foco-me um pouco na história.

Vorarlberg já era habitada no início na Idade da Pedra mas foi apenas com a chegada dos celtas, no ano 400 a.C., e mais tarde, 15 anos antes do nascimento de Cristo, com os romanos, que acolheu verdadeiramente e de forma contínua a presença humana. Brigantium, a toponímia de Bregenz nesses tempos remotos, foi uma praça forte do romanos até aos séculos V e VI, altura em que as tribos germânicas alemanni aumentaram, através de constantes incursões, a sua influência ao ponto de não tardarem a conquistar a região que conheceu uma existência pacífica até aos primeiros anos do século XV.

Pequenas embarcações sulcam de forma dócil as águas do lago.

Vorarlberg sofreu então as consequências das Guerras Appenzell, com danos consideráveis e influenciadores da sua ambição e determinação nos anos que se seguiriam, a tal ponto que, há precisamente cem anos, em 1918, declarou a sua independência face à Áustria e manifestou vontade de se unir à Suíça, um desejo que foi inviabilizado pelas potências aliadas na reorganização da Europa do pós-guerra.

Mas, embora integrada no território austríaco, a região parece ter muito a ver, em diferentes aspectos, com os seus vizinhos ocidentais e tão pouco com a capital, Viena, situada a uns 600 quilómetros para leste.

Bregenz chama-me, antes que o dia decline. Deixo para trás parte do perfume mediterrânico do Bodensee.

Montanhas, vales e lagos

Uma respiração ofegante acompanha-me enquanto subo até à Oberstadt, bem acima do lago e a parte mais antiga e mais sedutora desta cidade com menos de 30 mil habitantes. Errando pelas suas ruas sinuosas, com pretensões de labirinto, deixo-me encantar pelo colorido das casas, mais os seus enormes jardins, à espera de, mais tarde ou mais cedo, tropeçar nas muralhas defensivas, na robustez da Martinstor, a porta de St. Martin, decorada com um grotesco tubarão mumificado. Depois de transpor aquela que é considerada uma referência da cidade que foi integrada na Baviera durante as Guerras Napoleónicas e se tornou capital de Vorarlberg no século XX, não tardo a avistar a bolbosa e barroca Martinsturm, a torre de St. Martin, encimada por uma cúpula em forma de cebola que é considerada a maior da Europa Central. É agora a vez de descer até ao rés-do-chão da igreja para me oferecer à contemplação dos frescos do século XIV e logo volto a subir, ainda mais, até ao pequeno Vorarlberger Militärmuseum, o museu militar, com uma panorâmica soberba sobre a cidade aos meus pés.

Bregenz também me estimula a conhecer a sua outra face, a Unterstadt, a parte baixa, parcialmente dominada pela Kommarkplatz, onde reina  o Vorarlberger Landesmuseum, um espaço que serve de abrigo a uma interessante introdução à história da região, arte e arquitectura, não devendo ignorar, por outro lado, alguns artefactos curiosos que remetem para a Idade da Pedra, ou o modelo de um forte romano ou, ainda, um tragorgel, um magnífico órgão portátil esculpido.

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Rafaela Proell/Vorarlaberg Tourismus

No momento em que se deixa Bregenz, o mais difícil é definir o trajecto a seguir, tantas são as alternativas e as atracções oferecidas por cada uma das seis regiões de férias. A cidade alpina de Bludenz, famosa por ser a única na Áustria e talvez no mundo que tem vacas de cor lilás (aquelas que decoram os chocolates Milka saídos directamente da fábrica da Suchard), surge aos meus olhos como primeira escolha — uma escolha que julgo acertada mal caminho pelas suas ruas empedradas com intensos aromas a chocolate (em meados de Julho tem lugar um festival que tanto cativa as crianças) e vistas fantásticas para as montanhas. A pouco mais de um quilómetro do centro, um teleférico conduz os turistas até Muttersberg, a mais de 1400 metros de altitude e ponto de partida para caminhadas e passeios de bicicleta — mas Bludenz também serve de base para explorar os vales (o Brandnertal, o Klostertal e o Grosses Walsertal Biosphere Park) tão inspiradores, tanto no Inverno como no Verão, que a rodeiam ou para chegar a uma das 15 pistas de esqui que se encontram num raio de 30 quilómetros.

De Bludenz, os meus passos levam-me até à região conhecida como Lech Zürs am Arlberg, literalmente o berço do esqui alpino — reza a história que os primeiros clientes aprenderam a esquiar em 1906 em Lech Zürs am Arlberg, que integra a lista selectiva das 12 melhores aldeias alpinas (designada por Best of Alps), sem alguma vez ter hipotecado o seu charme, a despeito da cada vez mais extensa rede de pistas interligadas. Por contraste, no Verão é tempo de caminhar pelos campos e por entre as suas flores selvagens, tendo como fundo montanhas já com os seus picos quase órfãos de neve e de encontro a um lago de cor esmeralda tendo o silêncio como única companhia. Por essa altura, com tempo e paciência, é fácil descobrir algum dos 20 tipos de orquídeas que crescem neste habitat — mais difícil é perscrutar algum fóssil de coral ou alguma concha, heranças de um tempo, há mais de 200 milhões de anos, em que o oceano cobria toda a área que agora, nestes dias de Inverno, se veste toda de branco.

São as cem sombras de branco deste recanto da Áustria.  

Arquitectura moderna nos Alpes

Se é difícil para o turista assimilar que uma província tão pequena apresenta uma lista tão vasta de atracções, mais delicado ainda é acreditar que esta região dos Alpes, tão fiel às suas tradições, é pioneira no país na arquitectura moderna.

Andrea Masal já me havia colocado de sobreaviso.

- Nota-se uma grande transformação e o que é especial em Vorarlberg e, especificamente na região de Bregenzerwald, é a mistura entre a arquitectura moderna/contemporânea e a tradicional — mantendo o antigo mas abrindo um espaço para novos elementos. É essa combinação entre ambos os estilos que torna a mudança especial, com a particularidade de encaixar perfeitamente na natureza e no pensamento da população de Vorarlberg.

Cada palavra da relações públicas do turismo regional soa aos meus ouvidos como um desafio, como estímulo, encorajando-me a percorrer outros caminhos, a não me limitar a uma existência citadina na margem do Bodensee.

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Darko Todorovic/Vorarlberg Tourismus

- Pode passar vários dias em Vorarlberg a visitar exemplos notáveis de arquitectura contemporânea. Construções modernas, desde hotéis a paragens de autocarro, podem ser encontradas um pouco por todo o lado, tanto em vilas como em aldeias. Mas não é apenas o seu aspecto exterior que cativa o olhar; são espaços confortáveis, alguns deles muito agradáveis para viver.

Schwarzenberg e Sulzberg, no coração de Bregenzerwald, são as primeiras aldeias a prender o olhar pela irreverência da arquitectura e pela tecnologia da construção aliada à eficiência energética e à singular mentalidade de Vorarlberg. No passado, a madeira era utilizada maioritariamente em espaços vocacionados para a agricultura. Hoje, é o material de construção de excelência, de forma sustentável, para residências e edifícios públicos, como escolas e centros comunitários, não ao estilo tão típico das pastagens alpinas, com as suas cabanas com pequenas janelas, mas privilegiando também grandes superfícies de vidro, o que resulta numa alegre coexistência entre tradição e modernidade.

Exemplos clássicos podem ser encontrados, por exemplo, no edifício que alberga o quartel dos bombeiros e o centro cultural de Hittisau ou na Juppenwerkstatt, em Riefensberg. Esta última, mesmo ao lado da igreja da pequena povoação, com uma exposição permanente de trajes tradicionais das mulheres de Bregenzerwald, foi no passado um celeiro e alvo, há uns anos, de uma admirável plástica arquitectónica — a fachada está agora coberta de vidro deixando ver o interior com as suas maciças colunas de madeira.

Todas estas estruturas em madeira que cada vez atraem mais a atenção dos turistas têm, na verdade, algo em comum: a planta revela simplicidade, um carácter discreto e, ao mesmo tempo, autêntico, qualidades não raras vezes associadas à mentalidade do vorarlberger. Não é por acaso que a arquitectura da província se está a tornar cada vez mais conhecida e respeitada entre os especialistas europeus — num passado recente, a conceituada revista Wallpaper designou Vorarlberg como “a parte mais progressista do planeta da nova arquitectura” e são cada vez mais aqueles que espreitam a oportunidade de efectuar um estágio com um arquitecto local.

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Joachim Negwer/Vorarlberg Tourismus

A província — e não apenas Bregenzerwald — serve de cenário para uma inusitada concentração de magnificentes construções que reflectem esta nova tendência.

E nem sequer é necessário sair de Bregenz.

A cidade tem algumas das jóias arquitectónicas mais aclamadas a nível internacional, como a Festspielhaus e a Kunsthaus, uma e outra caracterizadas pelo aço, vidro e betão.

Até elas também chega o perfume mediterrânico do Bodensee.

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