Aos 86 anos, o Rivoli ainda dança – num salão de baile argentino

El Baile, de Mathilde Monnier, é o centro de mesa, vistoso, de mais uma festa de aniversário do Rivoli. Mas há muito mais ao longo das 17 horas do programa montado para este sábado– e é tudo gratuito.

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El Baile, de Mathilde Monnier e Alan Pauls DR

Começam a tornar-se um clássico, as festas de aniversário do Rivoli: esta que este sábado comemora os seus 86 anos, a terceira desde que ressuscitou como pólo principal do Teatro Municipal do Porto (TMP), volta a convidar a cidade a assistir, gratuitamente, a uma maratona de programação que começa às 11h com um espectáculo para crianças da coreógrafa Joana Providência e Regina Guimarães, Poemas do pé para a mão, e só termina, mais de meio dia depois, às 4h de domingo, no final de uma sessão DJ em modo all stars, com Pedro Tudela, Rodrigo Affreixo e André Tentúgal.

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Começam a tornar-se um clássico, as festas de aniversário do Rivoli: esta que este sábado comemora os seus 86 anos, a terceira desde que ressuscitou como pólo principal do Teatro Municipal do Porto (TMP), volta a convidar a cidade a assistir, gratuitamente, a uma maratona de programação que começa às 11h com um espectáculo para crianças da coreógrafa Joana Providência e Regina Guimarães, Poemas do pé para a mão, e só termina, mais de meio dia depois, às 4h de domingo, no final de uma sessão DJ em modo all stars, com Pedro Tudela, Rodrigo Affreixo e André Tentúgal.

Ao longo do dia (e da noite, e da madrugada…) os vários espaços do teatro, do grande ao pequeno auditório, do foyer à sala de ensaios, do sub-palco à cafetaria, estarão tomados pelos artistas que Tiago Guedes convidou a fazer a festa. Como Maria Trabulo, que ao 12h inaugura a instalação sonora Soará a silêncio, o som de uma revolução dentro de um bunker?, interpelação deste tempo em que “a voz nas ruas parece ter dado lugar ao post na Web”, ou o encenador André Murraças, que passou meses no teatro a conversar com os funcionários do Rivoli que agora, fazendo de si mesmos, protagonizam o seu novo musical, Coro, com estreia marcada para as 15h (haverá uma segunda sessão às 18h).

Também os dois artistas associados do TMP para as próximas temporadas, o coreógrafo Marco da Silva Ferreira (que em 2017 festejou os 85 anos do Rivoli com a estreia de Brother) e o actor, encenador e fundador da Mala Voadora Jorge Andrade, farão as honras da casa – o primeiro mostrando Um Solo sobre Brother, regresso ao seu passado recente, e o segundo contando a história da sua própria companhia. E ainda haverá a visita do brasileiro Tales Frey para uma subversão da dança a pares tal como o heterocentrismo a fixou, F2M2M2F X 6 + Estar a Par, o lançamento do sexto volume dos Cadernos do Rivoli, o encontro da portuguesa Ana Deus com o francês Nicolas Tricot em torno da poesia de autores tocados pelo suicídio ou pela loucura (19h) e o concerto dos Gala Drop num sub-palco propositadamente intervencionado pelo colectivo de artes gráficas Oficina Arara (23h30).

Mas o centro de mesa deste aniversário será o baile em que Mathilde Monnier, talvez a figura mais poderosa da dança francesa dos nossos dias, quis atravessar o passado recente da Argentina, guiada pelo escritor Alan Pauls (O Passado é, justamente, o título do seu único romance publicado em Portugal, pela Dom Quixote). Retomando um espectáculo de culto dos anos 80 – Le Bal, de Jean-Claude Pencherat e do colectivo do Théâtre du Campagnol – que depois veio a ser um filme de Ettore Scola, El Baile é uma história dançada da Argentina, entre 1978, o ano em que recebeu o Mundial de Futebol, e a actualidade. Uma história em que o tango ocupa, “evidentemente”, um lugar central – mas sem deixar de se misturar, ou mesmo de se sujar, com outras danças urbanas ou populares que Monnier recenseou nas suas visitas a Buenos Aires (a chacarrera, a valsa tanguera, o samba, o tecno, a cumbia, o chamamé, o rock, o malambo). Alan Pauls, de resto, admite a sua relação complicada com essa prática que sobreviveu a todas as atribulações do século XX argentino: “Tenho uma má relação com a sua representatividade, o seu imaginário sensual, o seu fetichismo, a sua exportabilidade; e uma boa relação com a sua musicalidade, a sua rusticidade, o seu lado bas-fond. É preciso um severo trabalho de desconstrução para que volte a ser potente e perturbador – como foi, efectivamente, no início do século XX”, explicava numa entrevista dada à altura da estreia do espectáculo em França.

Ficcionando uma comunidade a partir de um clube social imaginário – uma popular instituição de bairro na Argentina, e sobretudo em Buenos Aires –, El Baile assume que “a história de um país ou de uma cidade é também a história dos seus corpos”. Corpos jovens, porque Mathilde Monnier desconfia do peso e da solenidade da História com H grande. Os 20 intérpretes que este sábado se cruzarão no palco do grande auditório do Rivoli, alimentando a peça com as suas vidas e as suas mitologias, não carregam aos ombros o passado da Argentina; pelo contrário, acreditam os autores de El Baile: trazem nos pés a “a energia de resistência e de descoberta” que é o presente e será o futuro.