O maior dos défices: o de nascimentos

Nascem agora pouco mais de 2/3 de crianças do que no princípio do século e menos de metade do que há 30 anos.

Toda a gente admira a obra de um grande artista e ergue-lhe mesmo às vezes o monumento a confirmar. Mas nunca ninguém ergueu um monumento a um homem e a sua mulher por terem gerado um filho, que é obra infinitamente maior
(Vergílio Ferreira, Pensar, 1992)

Não é demais falar no défice de nascimentos. Até porque o assunto dificilmente sobrevive a umas somíticas notícias, embora seja fundamental para o nosso futuro colectivo e para a sustentação geracional do Estado redistributivo. É um tema que passa praticamente ao lado de uma praxis política que se alimenta da táctica, do curto-prazo e da circunstância. E como aparentemente é um problema para “depois de amanhã”, não abre telejornais.

Em 2017, e segundo dados do Ministério da Justiça, terão nascido menos 2702 do que em 2016, podendo, assim, recuar-se a valores próximos do mínimo registado (82.367 nascimentos em 2014).

Este valor continua muito longe do que seria necessário para repor as gerações. Nascem agora pouco mais de 2/3 de crianças do que no princípio do século e menos de metade do que há 30 anos. Por força de sucessivas taxas de fecundidade muito baixas (1,3 filhos por mulher em idade fértil, um dos valores mais baixos do mundo), as mulheres que podem vir a ter filhos no futuro são cada vez menos em comparação com a geração anterior. Por outras palavras, a fertilidade até pode aumentar por mulher, mas o número de mulheres nessas condições é menor, logo os nascimentos são menos. Nos próximos 35 anos, a maior parte das mulheres que vão ser mães já nasceu.

Embora haja muitas e diversas causas para este brutal decréscimo de nascimentos, importa responder com políticas públicas, sobretudo quanto à partilha de tempos para a família e para o trabalho. Tal implica uma aceleração na cobertura nacional de creches e de infantários, incentivos para as empresas promoverem estes equipamentos em condições de proximidade, uma maior flexibilização dos seus horários, mais oportunidades e incentivos ao trabalho a tempo parcial, trabalho domiciliário e teletrabalho, novas formas de flexibilidade horária para os pais nos primeiros anos de vida dos filhos.

A política fiscal continua a secundarizar as famílias com mais filhos e sofreu um retrocesso com a abolição do quociente familiar. Por outro lado, deve analisar-se a possibilidade de criação de mecanismos de bonificação e de acesso à pensão de velhice para os pais de famílias numerosas (estava previsto na lei de bases da Segurança Social de 2003) ou de não se aplicar o factor de sustentabilidade nas pensões dos pais com mais de dois filhos, assim favorecendo quem, pela via geracional, mais contribui para a sustentabilidade do sistema de pensões e para o equilíbrio geracional da Segurança Social.

Este problema, aliás, não é apenas português. É, em geral, de toda a Europa. Uma Europa adormecida, cheia de vícios e formalidades, onde se discutem até à náusea muitos “papers” e se estimula uma concepção de vida em sociedade feita só de euros e baseada em mínimos familiares. Onde, nas suas orientações programáticas, há, pelo menos implicitamente, um relativo desprezo pela vida nascente e uma secundarização da família. Em contraste, fala-se do número de abortos permitidos como se se estivessem a almejar objectivos nacionais. Agora que temos um continente que se deixa envelhecer e prefere certos afloramentos ainda que não explícitos de uma cultura da morte, que diferença em relação à Europa do pós-guerra que fez da natalidade e da renovação geracional os seus motores de esperança e de desenvolvimento!

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