Eu tive, tu estiveste, ele (es)teve

Agregar as diferentes partes numa só parece ser uma das competências mais eficazes de António Costa, por isso não nos admiremos se a operação for bem-sucedida. Afinal, a nossa “geringonça” ainda persiste para nos mostrar que é possível

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Pedro Nunes/Reuters

A rapidez com que partimos para o criticismo rabugento, sobretudo daqueles a quem reconhecemos mais autoridade pública, anula, muitas vezes, o benefício da reflexão antes de emitir opinião.

Após a reunião com o Presidente da República da Eslovénia, e para mostrar que decorreu mesmo impecável e produtivamente, o nosso primeiro-ministro usou o Twitter — o único mensageiro do mundo político com a capacidade de impor limites à divagação, mas, infelizmente, ainda não às balelas acéfalas — para nos anunciar que “teve” com Borut Pahor. Assim mesmo: “Tive com @BorutPahor Presidente da República da Eslovénia com Borut Pahor, e tivemos uma excelente e amigável reunião de trabalho”.

A reacção à suposta gaffe não se fez esperar.

De um lado, a língua portuguesa lacrimejava. O Camões andava às voltas no túmulo. A estátua do Fernando Pessoa do Chiado descruzava a perna e deixava cair do colo três turistas. Do outro, erguia-se a indiferença ponderada daquela fatiazinha da população portuguesa para quem os verbos “estar” e “ter” são, bem espremidos, a mesma coisa.

De facto, podem ser estes os portugueses mais próximos da verdade do tweet de António Costa, entretanto já apagado e substituído por uma versão — digamos — mais consensual. É que aquele “tive” em particular constitui uma lição de síntese adaptativa ao Twitter. António Costa esteve com Borut Pahor e teve uma reunião excelente. Fez as duas coisas num só predicado.

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Além disso, este “tive” demonstra empreendedorismo linguístico. Enquanto lá fora os ingleses e franceses mesclam nos seus “to be” e “être” os verbos “ser” e “estar”, Costa lança-se na vanguarda do entendimento e fusão dos nossos “estar” e “ter”, que é, de resto, uma empreitada muito mais ambiciosa em termos semânticos.

Agregar as diferentes partes numa só parece ser uma das competências mais eficazes de António Costa, por isso não nos admiremos se a operação for bem-sucedida. Afinal, a nossa “geringonça” ainda persiste para nos mostrar que é possível.

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