DGPC confirma processo a arqueóloga que “deve ser mantido na esfera interna” da instituição

Jacinta Bugalhão criticou, em Outubro, o desempenho dos responsáveis pela situação do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática.

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A situação no Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática levou Jacinta Bugalhão a encabeçar uma moção dirigida à tutela RUI GAUDÊNCIO

A Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), em nota enviada à agência Lusa, confirma ter sido instaurado um processo à arqueóloga Jacinta Bugalhão, sem adiantar pormenores, “pois é um assunto que deve ser mantido na esfera interna da instituição”.

A DGPC esclarece que “os motivos para o procedimento disciplinar que são referidos na notícia” da Lusa de quarta-feira, discutidos por arqueólogos em fóruns da especialidade, “não correspondem à verdade dos factos”.

O processo instaurado à arqueóloga tem sido amplamente debatido e comentado nas redes sociais, nomeadamente num fórum da especialidade, Archpor, onde o arqueólogo José d’Encarnação deu conta de que a DGPC instaurou um processo à arqueóloga Jacinta Bugalhão, que apresentou em Outubro uma moção, num encontro da especialidade, sobre a situação no Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS).

José d’Encarnação moderou o encontro, que se realizou na Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL) e reuniu cerca de 60 arqueólogos, no qual foi apresentada a moção que, motivada pelas “alarmantes notícias vindas a público” sobre os riscos que corria o espólio à guarda do CNANS, propunha “a comunicação às entidades competentes do Ministério da Cultura de um veemente voto de repúdio pelo seu desempenho neste processo”.

José d’Encarnação, que preside à Associação de Arqueólogos Portugueses, afirma que enviou a moção aprovada à DGPC, tal como a assembleia reunida na SGL lhe tinha solicitado, mas não obteve resposta da tutela.

“Não obtive, porém, qualquer resposta, nem sequer a respectiva recepção [da moção] foi acusada”, escreveu. “A resposta, porém, que se conhece não foi – o que me pareceria normal – no sentido de garantir que iria estudar o assunto, a fim de minorar os inconvenientes patrimoniais apontados (repito, não recebi qualquer resposta), mas a instauração de um processo disciplinar à arqueóloga mestra Jacinta Bugalhão, que é técnica daquela direcção-geral. Processo que está a seguir os seus trâmites”, escreveu José d’Encarnação.

Na nota agora enviada à Lusa, a DGPC afirma que se confirma “a existência de um procedimento disciplinar, que diz respeito a duas situações distintas, processo esse que segue os seus trâmites normais nos termos da lei”. “Por razões de ordem ética, a DGPC entende que o teor do processo disciplinar é um assunto que deve ser mantido na esfera interna da instituição”, lê-se na mesma nota.

Na passada terça-feira, em sede de audição parlamentar, deputados do PCP, do Bloco de Esquerda e do CDS-PP confrontaram o ministro da Cultura com a existência de um processo disciplinar contra uma arqueóloga, sindicalista, alegadamente por ter emitido uma opinião.

Em resposta, Luís Filipe Castro Mendes disse que não discute na Assembleia da República processos disciplinares de serviços internos, referindo apenas que “não se trata de um processo de delito de opinião, porque seria inconstitucional”. “O ministro só fala quando lhe é presente recurso hierárquico. Enquanto decorre [o processo], o ministro não tem nada para dizer”, sublinhou Castro Mendes.

Esta quinta-feira, à margem da apresentação da Acção Cultural Externa, no Instituto Camões, em Lisboa, e questionado pelos jornalistas sobre esta questão, o ministro reiterou o que afirmou no Parlamento: “Os processos disciplinares são da competência dos serviços”, sublinhou, acrescentando que não lhe cabe fazer quaisquer comentários.

“Está por demonstrar que o processo disciplinar tenha sido por causa da declaração da senhora” no encontro dos arqueólogos, prosseguiu o ministro, que recusou qualquer “ligação causal” entre a moção apresentada por Jacinta Bugalhão e o processo que lhe foi instaurado pela DGPC. “Nunca se faria um processo por delito de opinião, isso seria não apenas contra a Constituição, mas contra os direitos fundamentais”, afirmou Castro Mendes.

“Seja qual for a razão do processo disciplinar, no Portugal democrático em que vivemos seria completamente impensável um processo disciplinar por delito de opinião, por uma intervenção feita publicamente. [Por] crítica a políticas do Governo, nunca um funcionário poderia ser punido”, concluiu.

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