Joana Marques Vidal não é a Rainha de Inglaterra

Chamaram-lhe “Joaninha sem medo”, mas pecou por defeito. Joana Marques Vidal deixou ontem um testemunho vivo de que o cargo de PGR não é, para ela, o que alguns gostariam que fosse.

Chamaram-lhe “Joaninha sem medo”, mas pecaram por defeito. Joana Marques Vidal deixou ontem um testemunho vivo de que ser Procuradora-Geral da República não é, para ela, ser uma espécie de Rainha de Inglaterra - sem poderes, como uma vez se queixou o seu antecessor e como muitos preferiam que o PGR fosse. Joana tem poderes, sim, e usa o que mais faz a diferença: a palavra, para marcar posição.

O seu discurso na cerimónia de abertura do ano judicial é um tratado. Podíamos até dar-lhe um título: "Como lidar com os elefantes no meio da sala". E havia dois, bem grandes, na sala do Supremo Tribunal de Justiça. 

O primeiro era Angola. E Joana Marques Vidal, desafiada pelos políticos do mundo dos negócios para “explicar” porque é que não mandava para Luanda o processo de Manuel Vicente, disse tudo sem dizer a palavra: começou por valorizar a cooperação com outros países; lembrou os acordos de cooperação assinados; exigiu depois “respeito mútuo”; e fechou com uma referência simpática aos PALOP. Nunca se lhe ouviu a palavra Angola, nunca lhe poderão acusar de ter respondido à letra. Mas, não tenha dúvidas, toda a gente lá percebeu o recado: nós respeitamos a vossa soberania, façam o favor de respeitar a nossa.

O segundo elefante era o da sua continuidade na PGR. E, uma vez mais, de Joana Marques Vidal não ouvimos uma referência ao assunto. Mas registámos o balanço que ela deixou aos “últimos cinco anos” - precisamente os que correspondem ao seu mandato. Deixando um sinal: se não for reconduzida na Procuradoria, já deixou o seu legado. E fixando um tabu: até Outubro não saberemos se ela, “Joaninha sem medo”, quer ficar ou deixar o lugar ao próximo. O que é certo é que só assim poderia manter, até lá, intacta a sua independência - e a sua influência.

Joana Marques Vidal não deixará medo em ninguém, não é esse o seu papel, nem é assim o seu discurso. Mas impõe o respeito que o cargo exige. Por isso, já nos deixou uma herança: a quem se seguir a ela, exigiremos pelo menos o mesmo. Boa sorte a quem tiver de escolher.

P.S. Os agentes do sector demoraram um ano e três meses a chegar a um Pacto da Justiça, com 89 medidas. Os partidos demorariam sempre pelo menos o mesmo a traduzi-las num acordo que resultasse em leis. Por isso, não vale a pena ter muita expectativa: tirando as custas judiciais, não haverá nesta legislatura grande espaço para progressos - nem muito dinheiro para investir. Até por isso, Marques Vidal merece um elogio: fazer melhor com tão pouco é azar que ninguém merece, e tarefa que poucos cumprem.

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