PSD e CDS abertos a negociar regulamentação do lobbying com o PS

Partidos da direita saúdam iniciativas socialistas, embora critiquem o facto de não vincularem o Governo. PCP diz que o PS está a ir “ao encontro” do CDS e critica o “manto de opacidade” que, alega, se vai lançar sobre quem representa interesses.

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PS não esclareceu por que razão defende que as reunião de lobbyistas com deputados só fiquem registadas se enquadradas numa comissão ou grupo parlamentar,PS não esclareceu por que razão defende que as reunião de lobbyistas com deputados só fiquem registadas se enquadradas numa comissão ou grupo parlamentar NUNO FERREIRA SANTOS,NUNO FERREIRA SANTOS
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Pedro Delgado Alves nega que o PS esteja a abrir as portas a práticas que não existem já, só que sem escrutínio e transparência Rui Gaudêncio

O deputado comunista Jorge Machado não perdoou: o PCP é completamente contra a regulamentação do lobbying e acusa o PS de estar a ir “ao encontro” do CDS, ao apresentar projectos de lei nesse sentido, o que até agora só os centristas tinham feito. Na primeira reunião da Comissão Eventual para o Reforço da Transparência em Funções Públicas desta sessão legislativa, ficou claro quem está disposto a aprovar uma legislação para aquilo a que os deputados chamam mediação de interesses: PS, CDS e também o PSD, que saudou a iniciativa do PS, embora não tenha apresentado nenhuma. O Bloco, que se tem manifestado contra, ficou-se por uma posição mais parda.

Depois de o PS ter apresentado os seus projectos – sobre lobbying, mas também sobre o código de conduta dos deputados e novas propostas sobre incompatibilidades e impedimentos dos parlamentares -, começou o debate pela direita, com PSD e CDS a criticar a timidez das soluções socialistas e a colocar dúvidas de pormenor. Foi preciso esperar pela intervenção de Jorge Machado para se discutir a questão de fundo. Jorge Machado começou por questionar a necessidade de regulamentar a representação legítima de interesses, já que, disse, “a representação ilegítima de interesses vai continuar a existir e tem um código penal que trata dela”.

Ora, para o PCP, “não há hoje nenhum problema de qualquer sector da sociedade se dirigir à Assembleia da República ou aos órgãos de soberania para acompanhar os trabalhos e pedir reuniões”, e portanto, “não há nenhuma necessidade de criar soluções muito pouco transparentes que podem promover a institucionalização do tráfico de influências”.

“Se o interessado não o faz directamente e o faz por interposta pessoa, ou empresa, isso aumenta a transparência em quê? Absolutamente em nada”, argumentou. E foi mais longe: “Que instrumentos é que temos para fiscalizar esses fenómenos? Nenhuns. O que se cria é um manto de opacidade, em que, sob uma empresa de lobbying, se impede que se perceba quem realmente está a ser representado”.

Já o Bloco de Esquerda não foi tão longe, criticando sobretudo as deficiências da proposta, que considerou ter “uma abordagem muito falha de capacidade de efectivamente regular a influência mais pesada” de interesses junto dos deputados: “Arrisca-se a ser uma rede para prender peixe miúdo e não captar peixe graúdo, é sempre a pecha da regulação do lobbying”, afirmou.  

Pedro Delgado Alves, do PS, rejeitou os argumentos: “Não deve haver equívocos, não estamos a criar realidade nenhuma, ela existe e hoje é que não temos garantia da transparência e garantia de escrutinar quem exerce essa actividade”. E também recusou o “caminho de aproximação do PS ao CDS” alegado por Jorge Machado, preferindo antes dizer que o caminho de aproximação é em relação às normas europeias e internacionais.

No pólo oposto, o PSD criticou a solução socialista por ser tímida demais, desde logo pelo facto de o projecto regulamentar a forma como o lobbying pode ser exercido junto do Parlamento, mas pouco dizer sobre o Governo e os municípios. “A Assembleia da República não deveria ficar por aqui, é útil que o Governo também tenha de respeitar este tipo de regras, assim como a administração pública, que também lida com grandes interesses, e as autarquias locais. É importante fazer o caminho todo”, defendeu o deputado Duarte Marques.

No mesmo sentido, também António Carlos Monteiro, do CDS, defendeu que a lei a aprovar deve vincular o executivo: “A exigência de transparência é para com todos os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, não apenas em relação aos deputados”, argumentou. Vânia Dias da Silva, da mesma bancada, lembrou que o projecto do CDS, apresentado logo em Abril de 2016 e sobre o qual já houve audições públicas, “não foi objecto de grandes reparos” pelo facto de abranger todas as entidades públicas.

A deputada referia-se ao argumento usado por Pedro Delgado Alves, que alegou ter surgido a dúvida constitucional sobre se o Parlamento poderia legislar sobre o funcionamento do Governo, quando este tem o poder de auto-regular o seu próprio funcionamento. “Essa dúvida constitucional de incluir aqui o Governo e a administração central e local nunca foi levantada nas audições aqui feitas”, sublinhou a centrista.

Mas havia mais dúvidas, e o PS não respondeu a todas. Por responder ficou a questão, colocada por várias bancadas, sobre o motivo pelo qual as reuniões dos lobbyistas com os deputados não terem de ficar registadas, mas apenas as que decorrerem nas comissões ou grupos parlamentares.  

Outra questão polémica foi o facto de ficarem de fora do registo de lobbying as profissões de advogado e de solicitador. “O que vai ser criado é que, aqueles que se assumem como lobbyistas estão incluídos nestas regras, mas os que não se assumem ficam num offshore”, disse Duarte Marques (PSD). Vânia Dias da Silva considera que essa “é uma questão resolvida nos estatutos profissionais e deontológicos nessas profissões”, mas Duarte Marques não compreende o argumento. “Eu sei que os advogados têm regras próprias, mas  podem fazer exactamente o mesmo trabalho”, frisou.

“Excepcionar a advocacia é um incentivo, em si mesmo, a que muitos lobbyistas o sejam de facto e não formalmente. Se podem exercer a sua influência ao abrigo de uma profissão (advogado) que é em si mesmo de representação de interesses, não se vão registar”, acrescentou José Manuel Pureza. Mas Pedro Delgado Alves segue um raciocínio oposto: “O tipo de interesse e a forma como o representa é distinto. Se uma ONG vier acompanhada de um advogado, tem de identificar quem é que vem com ela. Mas o advogado não vem como lobbyista profissional, vem dar assessoria jurídica”, sustentou.

No final, o PS mostrou abertura para negociar soluções durante os trabalhos, mas ficou claro que, nesta matéria, os consensos vão ser encontrados sobretudo à direita.

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