Superabusivo

Não é preciso ter uma dose demasiado elevada de bom senso para perceber os riscos de um programa que expõe de forma tão abstrusa a privacidade de uma criança.

Um programa da SIC decidiu trocar audiências pela exposição pública de crianças malcomportadas. A Comissão de Protecção de Menores, o Instituto de Apoio à Criança e a Unicef já criticaram o programa. Mas o show promete continuar porque é um negócio em que, aparentemente, todos ganham: ganham os paizinhos que expõem as crianças, ganha a estação com os anúncios que vende, ganha a psicóloga que tem um cachet e ainda impinge mais uns livrinhos aos incautos. Mas perde a criança e perdemos todos, porque a degradação do espaço público é uma derrota da sociedade.

Teresa Paula Marques, a psicóloga encartada que ganha dinheiro a explorar o direito à privacidade das crianças neste programa, tem um percurso que garante solidez: já deu conselhos nas revistas Teenager, Bravo e TVMais, para além de ter participado em programas como o Muita Lôco e o Queridas Manhãs.

Não é que estas polémicas sejam novidade para a SIC. A mesma estação já tinha humilhado uma criança no programa Ídolos, para além de dar regularmente voz a tarólogas que se aproveitam da ignorância alheia para sacar uns trocos e oferecer conselhos tão esclarecidos como o de propor que uma vítima de violência doméstica mimasse o seu agressor. Nada disto perturba a salomónica Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que assiste a tudo sem hesitações que não vão para além de deliberações suaves pouco incomodativas. É a ERC, note-se, que tem responsabilidades de gestão deste espaço público que é tão importante para a saúde colectiva — e é importante recordar que as antenas televisivas são um bem público, devidamente regulado e concessionado por um período limitado de tempo.

É certo que a gestão de um meio de comunicação social com uma elevada componente de entretenimento não é uma ciência exacta. Mas também não é preciso ter uma dose demasiado elevada de bom senso para perceber os riscos de um programa que expõe de forma tão abstrusa a privacidade de uma criança — que, ao contrário do que alguns desejariam e muitos julgam, não é propriedade dos paizinhos, nem deve ser a motivação maior para ganhar uns trocos.

O chavão dos “15 minutos de fama” a que todos têm direito já está mais do que estafado, mas parece valorizar-se nestes tempos — em que até vão tendo prioridade os que se aproveitam de quem não se pode defender.

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