A república e as bananas

Se alguém não o sabia já, pode agora ficar tranquilizado com o PCP. Para partido revolucionário, comporta-se como o mais anafado dos senhorios quando querem mexer com o seu próprio bolso.

Jerónimo de Sousa referiu-se há poucos dias ao financiamento público dos partidos políticos como premiando aqueles que se colocam “à sombra da bananeira” do Estado, ou seja, presumivelmente aqueles que estarão nos antípodas do PCP. Ouvir o secretário-geral comunista falar de financiamento pelo Estado como uma sombra de bananeira já é só por si, passe a imagem de canícula, refrescante, mas vale a pena aprofundar.

Temos como suporte de um Governo defensor da economia privada um partido dito proletário, mas que é afinal um dos grandes proprietários imobiliários do país, fruto também, lá está, de não se acoitar à sombra da dita, e que não aceita pagar impostos sobre essa acumulação.

O mesmo partido, revolucionário, é inquestionavelmente o patrono dos grandes sindicatos, os mesmos que, infelizmente, parecem tudo fazer pelas corporações profissionais e especialmente pelos funcionários desta nossa frondosa bananeira, mas esquecem o quotidiano daqueles que nem sequer se qualificam na prática para ser sindicalizados: os mais frontalmente explorados, os efectivamente precários, os mais fungíveis e mais fragilizados de todos os trabalhadores, circulando, quando circulam, entre empresas de um sector privado que oferece “privilégios” como contratos de trabalho de 15 dias ou salários de 200 e 300 euros.

E a minha admiração pelo PCP é superior à de muitos, devo dizê-lo. Pela sua história de resistência e de luta contra a ditadura, escrita quantas vezes na carne de pessoas concretas e não simplesmente através de palavras e ideias fátuas. Pela coerência total de muitas das suas práticas, pela inteligência e dedicação de muitos dos seus rostos e pelo importante papel de contrapoder que tem exercido. Até pelo seu quase insuportável conservadorismo moral, que detecta os libertários à distância e os arrasta, numa indomável ficção de superioridade, pela lama vulgarmente conhecida como natureza humana. E – esquecendo agora a habitual falta de capacidade comunista de se rir de si próprio –, admiração até pela crença intrínseca que assume de desrespeito pela liberdade individual porque o faz de forma bem-intencionada, acreditando que um outro Homem é não só possível, como até provável.

Mas ouvir o PCP defender afinal as capacidades dos seus militantes e queixar-se dessa grande bananeira do Estado quando está em causa o financiamento público dos partidos políticos, em homenagem à sua condição de partido proprietário (e de proprietários), ficar-me-á na memória. Se alguém não o sabia já, pode agora ficar tranquilizado com o PCP. Para partido revolucionário, comporta-se como o mais anafado dos senhorios quando querem mexer com o seu próprio bolso.

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