Leão de Prata da Bienal de Veneza para Marlene Monteiro Freitas

A “presença electrizante” e “o poder dionisíaco” das criações da coreógrafa cabo-verdiana radicada em Lisboa justificam o prémio, que lhe será atribuído a 28 de Junho. Meg Stuart, que também é visita frequente em Portugal, ganhou o Leão de Ouro.

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Paulo Pimenta

Marlene Monteiro Freitas, “um dos melhores talentos da sua geração”, vai receber o Leão de Prata da Bienal de Veneza, destinado a jovens promessas da dança ou a instituições que se distingam pelo investimento em novos talentos, e que no passado já foi atribuído à escola P.A.R.T.S. de Anne Teresa De Keersmaeker ou à canadiana Dana Michel. O nome da coreógrafa cabo-verdiana, que nasceu no Mindelo em 1979 e se fixou em Lisboa aos 18 anos, foi proposto pela directora do Departamento de Dança da Bienal de Veneza, Marie Chouinard, em reconhecimento da “presença electrificante” e do “poder dionisíaco” das suas criações, que têm circulado internacionalmente de modo fulgurante. A mais recente, Bacantes – Prelúdio para uma purga, que teve estreia em Abril do ano passado no Teatro Nacional D. Maria II e encerrou em Junho o FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica no Teatro Municipal do Porto, foi co-produzida por alguns dos mais importantes festivais europeus, como o Kunstenfestivaldesarts, o Montpellier Danse ou o Festival de Atenas e Epidauro, e por centros culturais da importância do Centro Pompidou, em Paris, ou do HAU – Hebbel am Ufer, de Berlim.

“Muito feliz” com a notícia, que recebeu em Madrid, onde está a apresentar o seu solo de 2010, Guintche, nos Teatros del Canal, a coreógrafa disse ao PÚBLICO ser incapaz de antecipar o efeito que este prémio poderá ter numa carreira já excepcionalmente internacional, e que em Junho a levará até Jerusalém, onde está a criar uma peça para a Batsheva: “Eu avanço sempre passo a passo... E agora aparece-me isto, é uma absoluta surpresa.” Acerca desse próximo passo com a companhia israelita tem um feeling mais concreto: "Vai mudar a minha forma de trabalhar. Normalmente junto-me com intérpretes e colaboradores em que me projecto muito; aqui, trata-se de coreografar para uma companhia, para pessoas que não conheço, coisa que nunca fiz: é um desafio."

A nota emitida pela Bienal de Veneza evoca o percurso-sensação de Marlene Monteiro Freitas na cena internacional, lembrando que “tem sido a surpresa das temporadas mais recentes” e apontando o modo como trabalha as questões do corpo em múltiplas, e muitas vezes imprevisíveis, direcções, cruzando uma tradição clássica com o legado das vanguardas artísticas do século XX e com o acervo mais apócrifo da cultura popular: “Interessada na metamorfose e na deformação – possíveis ecos do Carnaval do seu país natal, Cabo Verde –, os híbridos de Marlene Monteiro Freitas esbatem, de forma festiva e musical, as fronteiras do esteticamente correcto.” A sua fisicalidade expressionista, que pode ser furiosamente cerebral numa sequência e alucinadamente animal na seguinte, também esteve na cabeça da direcção da bienal, que sublinhou o modo como, “trabalhando mais sobre as emoções do que sobre os sentidos, as coreografias de Marlene Monteiro Freitas abrem a imaginação e o eu à sua selvagem multiplicidade”.  

Formada pela Escola Superior de Dança, em Lisboa, e pela P.A.R.T.S., em Bruxelas, foi intérprete em peças de Emmanuelle Huynh, Loïc Touzé, Tânia Carvalho ou Boris Charmatz. Como coreógrafa, estreou-se em 2005 com Primeira Impressão, mas foi sobretudo a partir de Guintche (2010) que a sua linguagem tão singular se fixou nos termos que hoje se lhe reconhecem, e que a Bienal de Veneza esta quarta-feira resumiu a três denominadores comuns: abertura, impureza e intensidade. A seguir, vê-la-íamos transformada em Prince em (M)imosa (2011), criação colectiva em que partilhava o palco com os igualmente inclassificáveis Trajal Harrell, François Chaignaud e Cecilia Bengolea. Mais recentemente, estreou Paraíso – Colecção Privada (2012), De Marfim e Carne – As Estátuas Também Sofrem (2014), Jaguar (2015) e, a partir de Eurípides, Bacantes – Prelúdio para uma purga (2017), que a 28 de Junho levará ao 12.º Festival Internacional de Dança Contemporânea da Bienal de Veneza, onde lhe será entregue o Leão de Prata. Será um privilégio, garante: “Sempre tive muita vontade de ir a Veneza, que está fora do circuito onde costumo apresentar o meu trabalho; chegar lá com esta distinção torna a participação no festival ainda mais especial.”     

Ouro para Meg Stuart

O Leão de Ouro desta edição da Bienal de Veneza, que será atribuído a 22 de Junho, na abertura do festival, foi para a bailarina e coreógrafa americana Meg Stuart (Nova Orleães, 1965), figura indispensável da renovação da dança enquanto prática performativa fundada na improvisação, e também presença habitual em Portugal, onde encontrou alguns dos seus mais recorrentes colaboradores (Francisco Camacho, para o qual criou Blessed, Carlota Lagido, Vânia Rovisco ou Ana Rocha, por exemplo). “Reconhecida pelos seus importantes, contundentes e incisivos projectos de improvisação, que envolvem uma multiplicidade de artistas, Meg Stuart – que vem de Nova Orleães mas vive há mais de 20 anos na Europa, onde fundou a sua companhia, Damaged Goods, sediada em Bruxelas – é autora de solos, coreografias de grande escala e instalações site-specific exibidas em galerias e exposições como a Documenta X em Kassel”, justifica a Bienal.

Stuart, precisa a nota desta quarta-feira, foi escolhida por “ter desenvolvido uma nova linguagem e um novo método para cada criação, colaborando com artistas de diferentes disciplinas e movendo-se entre a dança e o teatro”. “Através da improvisação (um aspecto fundamental da sua prática)”, prossegue a nota, “explorou estados físicos e emocionais”, sempre em busca de “novos contextos e novos territórios para explorar”, e “redefinindo continuamente” o seu trabalho. Para receber este prémio de carreira anteriormente atribuído a Merce Cunningham (1995), Pina Bausch (2007), Jirí Kylián (2008), William Forsythe (2010), Steve Paxton (2014), Anne Teresa De Keersmaeker (2015), Maguy Marin (2016) ou Lucinda Childs (2017), Meg Stuart levará a Veneza uma das suas mais recentes produções, Built to Last, que o Teatro Maria Matos recebeu em Janeiro de 2014.

Notícia actualizada às 21h11 com declarações de Marlene Monteiro Freitas

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