Com amigos assim…

Rio vestiu uma camisa de sete varas. Para qualquer lado que se vire há perigos à espreita. Nada, contudo, que o novo homem-forte do PSD não conheça e com que não esteja habituado a lidar.

Julgo que a vitória de Rui Rio é, de entre as fracas escolhas disponíveis, a menos má para o PSD e para o país. O percurso do ex-autarca do Porto assegura uma maior capacidade para estabelecer as necessárias pontes com o PS, na senda de reformas estruturais de que Portugal necessita praticamente desde o fim da gesta das Descobertas e de que a Justiça e a Segurança Social são apenas os exemplos mais salientes. Veja-se a lição que a Alemanha volta a dar à Europa e ao mundo. Não admira que seja a nação mais desenvolvida da UE, por ali se perceber bem o que são interesses partidários e nacionais e por se ter a vontade e inteligência de os fazer coincidir.

Se o discurso de vitória de Rio foi globalmente limitado ao expectável, a referência ao “grupo de amigos” foi politicamente pouco avisada e os resultados não se fizeram esperar. O actual líder do grupo parlamentar já fez saber que não coloca o lugar à disposição e as notícias apontam para um mal-estar dentro daquela organização. Não se percebe, todavia, o comportamento de Hugo Soares. É certo que o grupo parlamentar goza de relativa autonomia e que o seu líder foi eleito há pouco tempo, sendo que só aos deputados cabe essa escolha. Porém, a política faz-se com comensal bom senso, mesmo para lá das normas escritas. Dito de outro modo, tendo o actual líder parlamentar apoiado Santana, o mínimo que dele se esperava era que colocasse o lugar à disposição de Rio. Ainda que tivesse sido eleito na véspera.

Não sendo o Presidente do partido deputado, o braço armado na luta política contra Costa passa por um conjunto de deputados sintonizados, no essencial, com Rio. Se assim não for – o que não seria inédito –, o PSD arrisca-se a dormir com o “cavalo de Tróia”. Hugo Soares, que já devia ter a necessária visão política, sabe disto muito bem e a sua primeira reacção revela mau perder e vontade de fazer a vida difícil ao novo líder. Do mesmo passo, desatar a alimentar as notícias com putativos líderes parlamentares alternativos é um mau serviço ao partido, porventura destinado a “queimar” nomes e afirmar poder, ao menos mediático.

Ferreira Leite também não ajudou. A figura do “diabo” tem demonstrado ser de má memória para o PSD. Passos saiu sem que o mafarrico aparecesse e, agora, parece que vale tudo, mesmo vender-lhe a alma. Dito por uma economista, não deixa de ser uma metáfora interessante, faltando conhecer o seu custo marginal. Está visto que mesmo os apoiantes de Rio, por certo bem-intencionados, estão, para já, a dificultar-lhe a vida. A mensagem que o novel Presidente tentou passar – e que corresponde à imagem que de si mesmo sempre quis passar para o grande público – foi a da construção de uma alternativa séria e credível. É evidente que os partidos existem para aceder ao poder e ninguém é ingénuo ao ponto de acreditar que tal se consegue com a mera existência de um ideário e sem fazer concessões. Mas assumir a metáfora do diabo é dizer que os meios justificam os fins, o que também admira numa Ferreira Leite habitualmente contida e que parece ser o lado feminino de Rio. Assim, o que se aspirava a uma certa relação simbiótica masculino/feminino social-democrata arrisca-se a começar com o pé esquerdo. O que, provavelmente, para o novo líder, ideologicamente falando, seria um bom augúrio. Todavia, começar com resistências tão salientes e em praça pública, não inspira grande confiança.

Ninguém disse que ia ser fácil. E será mesmo muito difícil, com um governo com bons indicadores económicos, com uma conjuntura externa favorável, que só depois da falha nas funções de soberania perdeu o “estado de graça” e que continua a olear a geringonça, a despeito de o PCP, ante a nítida erosão da base de apoio, ter voltado a colocar a CGTP na rua, e de o BE, ao que consta, estar a optar por se colar ao PS, fazendo crer que este, no próximo ano, necessita deste partido para a maioria absoluta.

Rio vestiu uma camisa de sete varas. Para qualquer lado que se vire há perigos à espreita. Nada, contudo, que o novo homem-forte do PSD não conheça e com que não esteja habituado a lidar. Talvez há muito tempo, em função da conjuntura sumariamente descrita, não se exigisse uma oposição com “marcação homem a homem”, ou seja, com um verdadeiro governo sombra que proponha diferente ou que apoie o que beneficia o país. Se as eleições são, por definição, momento de divisão e clarificação, também é verdade que o PSD – como todos os demais partidos, com excepção, porventura, do PCP – só se unem quando cheira a poder. E o odor ainda vem longe. Com grande probabilidade, 2019 fará de Rio o Moisés que lidera “o povo” do PSD pela provação do deserto. Altura para Montenegro (embora ainda muito colado a Passos) ou, o que tenho por mais exequível, para um novo líder que venha fazer a rodagem de uma qualquer viatura a uma qualquer Figueira da Foz.

As poucas horas passadas desde a eleição de Rio ainda revelam muitas fracturas expostas. Ontem, o abalo de Arraiolos foi a menor das dores de cabeça do Presidente do PSD. A procissão ainda nem saiu do adro e Rio já tem opositores a mostrarem as garras em nome de uma autonomia do grupo parlamentar e apoiantes que se atropelam na vontade de ajudar. Os alegados opositores no Parlamento acalmarão com relativa facilidade e os amigos irrequietos terão de ser mais disciplinados. O rio de Rio corre para o mar. Veremos se este Presidente do PSD tem costela de marinheiro.

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