PS abre as portas do Parlamento e do Governo ao lobby profissional

Socialistas querem regulamentar a actividade de mediação de interesses e impedir deputados e advogados de o fazer enquanto tal. A proposta é haver um registo na Assembleia que permita identificar lobistas, mas não serão registadas as reuniões com deputados.

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

O modelo inspirador é o da União Europeia, mas as soluções são muito mais tímidas. O PS apresentou dois projectos de lei para regulamentar a actividade de lobbying, um para definir o que é e como se rege a actividade profissional de lobista e o outro para definir quem, e como, pode defender interesses junto da Assembleia da República, mas também junto do Governo e dos municípios.

“A ideia é criar um mecanismo que regule aquilo que já se faz”, explicou nesta segunda-feira Pedro Delgado Alves, o coordenador do PS na Comissão Eventual para o Reforço da Transparência em Funções Públicas, na apresentação de dois dos quatro projectos que os socialistas querem agora ver discutidos e votados até final de Fevereiro, no âmbito daquela comissão. O mecanismo é criar um registo de representação de interesses privados (RRI, na sigla do projecto) na Assembleia da República em que serão inscritas todas “as entidades privadas que pretendam exercer a actividade de representação de interesses”, com o objectivo de “influenciar” os processos legislativos ou a execução de políticas públicas .

Ou seja, não se refere apenas aos lobistas profissionais, mas a todos os organismos ou empresas que, tendo ou não fins lucrativos, queiram acompanhar os processos legislativos relativos aos interesses que representam e até ser ouvidos nesse contexto. Algo que já acontece com os parceiros sociais e com algumas entidades por imposição da lei, mas agora passa a ser permitido a qualquer outra entidade, desde que se registe como representando interesses.

Aliás, a proposta socialista até vai mas longe, permitindo que quem esteja inscrito nesse registo possa ter “acesso aos edifícios públicos na prossecução das suas actividades”, as quais podem ser influenciar tanto diplomas legais como regulamentares. Em particular ficam assim abrangidas as visitas a ministérios, secretarias de Estado e outros órgãos com poder de decisão. O projecto prevê mesmo que o Governo possa recorrer ao RRI e que cada assembleia municipal crie o seu próprio registo público de entidades de representação de interesses.

O “poder decisório” é o critério que, segundo Pedro Delgado Alves, estabelece a diferença entre as reuniões que têm, ou não, de ser divulgadas no site do Parlamento: se a Assembleia da República enquanto tal, as comissões e os grupos parlamentares têm de anunciar as reuniões com representantes de interesses, os deputados não. Ao contrário do que acontece nas instâncias europeias, em que todas as reuniões de “lobistas” com parlamentares, individualmente ou em grupo, são de conhecimento público.

Se a lei for aprovada nos termos propostos pelos socialistas, nenhuma entidade privada poderá ser recebida no Parlamento sem que esteja previamente registada. Em compensação, o registo concede o direito a ser informado sobre as consultas públicas em curso com vista a processos legislativos.

Políticos não podem fazer lobby. E os advogados?

Neste diploma, proíbem-se os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos de se dedicar à representação de interesses, não apenas enquanto estão em funções, mas durante três anos após o fim do seu mandato. Mas nada impede que os advogados ou sociedades de advogados se registem como mediadores de interesses específicos.

Os advogados só ficam impedidos de se constituírem como representantes profissionais de interesses, ou seja, como lobistas profissionais. É o que se lê no outro projecto de lei, dedicado apenas à “representação profissional de interesses”. Além dos advogados, são incompatíveis com esta actividade os titulares de órgãos de soberania, cargos políticos ou altos cargos públicos e ainda os funcionários de entidades reguladoras ou administrativas independentes.

Num curto texto, de apenas oito artigos, indicam-se também alguns casos de conflitos de interesses, direitos e deveres, mas de uma forma muito genérica. Não há, por exemplo, nenhuma proposta de Código de Conduta, como os que existem para esta actividade nas instâncias europeias, no senado norte-americano ou no sistema britânico.

Código de Conduta propõem agora os socialistas para o exercício do mandato de deputado, dedicado em especial ao regime de presentes e ofertas de hospitalidade, muito semelhante ao já existente no seio do Governo. O valor de referência é o mesmo – 150 euros -, mas com muito mais excepções do que as existentes para os governantes. Para dirimir conflitos e tirar dúvidas, cria-se um grupo de trabalho no âmbito da primeira comissão.

Estes três projectos, assim como propostas de alteração ao regime de incompatiblidades e impedimentos dos deputados, juntam-se agora aos 15 projectos já existentes na Comissão da Transparência, que vão começar a ser discutidos e votados a partir de quarta-feira e até ao final de Fevereiro. Um prazo que não deverá ser alargado para dar margem de decisão à nova liderança do PSD.

“Estamos a trabalhar desde 2016, a abertura para o consenso é ampla, mas há que concluir um processo que está maduro e pronto para ser aprovado”, justifica Pedro Delgado Alves. “Esperamos que a nova direcção do PSD venha ao encontro das nossas propostas”, disse ainda o deputado, sendo secundado por Jorge Lacão, que sublinhou que “muitas das iniciativas hoje pendentes foram rejeitadas na legislatura passada por PSD e CDS”. 

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