Não consigo viver sem plásticos! E agora?

Em 2025, por cada três toneladas de peixe haverá uma tonelada de plástico. Em 2050 haverá mais plásticos do que peixes nos oceanos e 99% das aves marinhas terão ingerido plástico. Não deitar cotonetes na sanita, recusar garrafas, palhinhas, talheres e copos descartáveis é fácil e depende de cada um de nós

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Arshad Pooloo/Unsplash

Há uns anos tiraram-nos os sacos plásticos. Aguentámo-nos! Agora também nos querem tirar os plásticos descartáveis? Como vamos viver sem pratos, talheres, palhinhas ou copos de plástico? Está tudo louco? Desde Setembro que o Quénia tem a lei mais severa do mundo relativa ao plástico: quem fabricar, vender ou utilizar sacos de plástico pode ser preso até quatro anos ou punido com uma coima até 31,8 mil euros. No Chile, os sacos de plástico são proibidos nos 102 municípios costeiros do país, sendo aplicadas multas de mais de 300 dólares por saco. Goa vai proibir sacos de plástico e outros artigos descartáveis a partir de Maio. França vai eliminar copos, pratos e talheres de plástico até 2020. Lisboa está a preparar a proibição de copos de plástico nos estabelecimentos comerciais.

Se grande parte da nossa vida é delineada com plástico, será possível vivermos sem ele? À primeira tendemos a dizer que não, mas quando percebemos a história fica tudo mais claro. A forma como os plásticos estão a ser desenhados, produzidos, disponibilizados e utilizados não é compatível com a vida frenética que o mundo desenvolvido leva. Há duas verdades inconvenientes que não nos contam. A primeira é que metade de todo o plástico produzido é para uso único — usamo-lo menos de cinco minutos e já está. A segunda é que quase todas — isso mesmo, QUASE TODAS — as peças de plástico produzidas até hoje ainda se mantêm por aí. Os resíduos de plástico sobrevivem centenas de anos. Um saco de plástico pode demorar 20 anos a desaparecer e uma garrafa de plástico 450 anos.

De certeza que hoje já deitámos fora vários utensílios de plástico. No lixo normal ou no embalão? Este simples gesto faz toda a diferença. Em 2016, a reciclagem de plásticos pelos europeus não atingiu os 30%. Em todo o mundo apenas 9% dos resíduos plásticos são reciclados. A inceneração é o destino de 12% e 79% é acumulado em aterros ou abandonado. Para onde vão então? Por muito que não queiramos aceitar vão para parte da comida que ingerimos.

Antes de nos ser servido à mesa, o plástico que não colocamos no ecoponto amarelo é transportado pelo vento para os oceanos. Anualmente, oito milhões de toneladas de plástico terminam no oceano e por minuto são lançadas ao mar mais de 5,5 toneladas de plástico. Os pedaços grandes flutuam e até formam ilhas — o Oceano Pacífico tem um amontoado de lixo maior do que o território francês. Outra parte desfaz-se em microplásticos — pedaços com menos de cinco milímetros de diâmetro — que são ingeridos pelas plantas, peixes e invertebrados. O processo de decomposição do plástico liberta químicos tóxicos que são igualmente digeridos pelos peixes e que acabam nas nossas cozinhas. As 270 mil toneladas de plástico que flutuam no mar são apenas uma amostra, já que 90% jaz no fundo do mar.

A boa notícia é que é possível limpar os oceanos e já há bons exemplos de aplicação dos resíduos de plástico recolhidos: a portuguesa Logoplaste criou a Ocean Bottle, a primeira garrafa feita a partir de desperdício de plástico, composta por 10% de plástico do oceano, e a Adidas e a Parley criaram as UltraBOOST Uncaged Parley, umas sapatilhas de corrida produzidas com 95% de plástico do oceano. Retirar plásticos dos oceanos é possível, mas ainda em número insuficiente. A transformação deste plástico em matéria-prima também ainda é complexa e morosa. Ou seja, somos muito mais rápidos a poluir do que a limpar! Prevenir a poluição marinha é o caminho.

Todavia, governos e empresas não vão conseguir dar conta deste recado sozinhos. Precisam da ajuda dos cidadãos. Continuar a usar sacos de ráfia ou de pano para ir às compras, usar garrafas e cantis de vidro ou metal, com ou sem filtro, são opções com preço reduzido, mas com impacto muito positivo na vida dos homens, dos oceanos e da vida marinha. Acreditar que as nossas praias estão deveras poluídas — em cada 100 metros de areia há 600 cotonetes!!! — e participar em actividades de limpeza nas praias e costas é outra opção. Em Portugal, há dois projectos singulares que aceitam voluntários: Straw Patrol e Ocean Alive. Ver para crer! E, claro, optar por plásticos de longa duração e evitar, recusar ou, se não houver mesmo alternativa, reciclar os descartáveis.

Na semana em que a União Europeia se prepara para divulgar a estratégia europeia de combate ao plástico, acreditemos que os nossos governantes vão ter coragem de limitar a produção e consumo de produtos descartáveis no velho continente. Se não formos rápidos a mudar comportamentos, as estimativas estão traçadas. Em 2025, por cada três toneladas de peixe haverá uma tonelada de plástico. Em 2050 haverá mais plásticos do que peixes nos oceanos e 99% das aves marinhas terão ingerido plástico. Não deitar cotonetes na sanita, recusar garrafas, palhinhas, talheres e copos descartáveis é fácil e depende de cada um de nós. Da mesma forma que fomos uma nação exemplo a conseguir viver sem sacos de plástico num tempo recorde, quem sabe se não voltamos a ser exemplo nos descartáveis?

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