Startups à procura do El Dorado

Portugal tem feito um percurso impressionante em direção ao El Dorado do séc. XXI. Mas falta ainda percorrer um longo caminho e de muitas mudanças para que tenhamos uma Salesforce sedeada no país e uma conferência como a Dreamforce numa cidade portuguesa.

Decorreu no final do ano passado de 6 a 9 de novembro uma das maiores conferências tecnológicas do mundo. Este evento contou com dezenas de milhar de participantes e milhares de startups estiveram presentes no local em busca de investimento e clientes. A cidade parou com pessoas de todo o mundo em busca do El Dorado do séc. XXI, sobrelotando o centro da cidade. Mas não falo da Web Summit em Lisboa; falo antes da Dreamforce que teve lugar no outro lado do mundo na cidade de São Francisco e teve uns impressionantes 170.000 participantes.

A Dreamforce é a conferência anual da Salesforce.com, uma startup que, criada em 1999, vale hoje uns estonteantes 60 mil milhões de dólares em capitalização bolsista. Este evento e esta startup não são excecionais em Silicon Valley e é a este nível que Portugal deve aspirar.

Portugal está, no entanto, ainda muito longe de poder aproximar-se desta magnitude. Com as grandes startups com ADN português a serem obrigadas a deslocalizar a sua sede ou o seu CEO para o estrangeiro de modo a crescerem, criar e manter cá uma única empresa ao nível das de Silicon Valley continuará irremediavelmente fora do nosso alcance.

As políticas para o sector estão neste momento a apostar na criação de uma base de muitas startups na esperança que algumas consigam crescer de forma exponencial. Esta estratégia, que joga com a lei das probabilidades, tem dado bons resultados ou não fosse hoje possível ver sinais de muitas novas empresas de base tecnológica em algumas partes do país (mas apenas em algumas).

No entanto, é também notório que têm sido muito poucas as startups portuguesas com a capacidade de crescer para lá de algumas centenas de milhar de euros de vendas anuais. Um CEO dizia-me numa reunião em São Francisco que, desde que se tivesse um bom produto, era muito fácil chegar ao primeiro milhão de vendas anuais mas que em Portugal as competências para o fazer eram extremamente raras. Não é, aliás, por acaso que essa mesma startup tem estado a deslocalizar alguns dos seus altos quadros para Portugal para desenvolver essas competências nos seus colaboradores no país.

São várias as razões para o ecossistema tecnológico português não estar com a pujança com que poderia estar mas este será realmente o principal: talento. O empreendedorismo português tem um problema de recursos humanos qualificados. Não em engenharia e informática, em que devemos ter razões de orgulho, mas na capacidade de execução. Existe ainda a noção generalizada que basta ter uma excelente ideia e transformá-la num produto brilhante que os investidores e os clientes virão.

Nada mais errado. De grandes ideias e excelentes produtos está o mercado cheio; o que realmente importa, no entanto, é a execução do negócio. Muito trabalho é sempre necessário, claro, mas direcionado de forma metódica e com uma estratégia bem pensada. Pessoas com estas competências e experiência não existem em quantidade suficiente em Portugal.

Este problema não é de fácil resolução. Podemos sempre continuar no mesmo rumo de apostar numa grande base de micro ou pequenas empresas e de termos um país em que angariamos investimento de grandes empresas estrangeiras (incluindo as de génese portuguesa) que colocam os seus departamentos de engenharia, call centers, centros de BPO e SSC em território nacional.

Se, no entanto, pretendemos centros de decisão nas várias áreas tecnológicas e atividades de alto valor acrescentado, é necessária uma estratégia específica tanto para desenvolver as qualificações necessárias como para atrair os quadros que as têm.

Para os atrair, devem ser facilitadas a transferência de altos quadros entre sedes no estrangeiro e respetivas filiais portuguesas e também a contratação direta de estrangeiros por parte das startups. O Startup Visa, que entrou em vigor no início do ano, poderia facilmente ser expandido para abranger estas duas categorias e dar uma vantagem competitiva internacional às startups portuguesas que, de outro modo, têm que “sofrer” o atual sistema complicado e oneroso de atribuição de vistos.

De modo a desenvolver essas qualificações, é necessário um trabalho de médio e longo prazo. Claramente, e “roubando” uma das razões do sucesso de Silicon Valley, é absolutamente fundamental permitir legislativamente e agilizar a interligação entre universidades e startups que já atingiram sucesso cá e no estrangeiro.

Dando um exemplo concreto, há um fundador de uma grande startup portuguesa que quer retribuir ao país as condições que lhe foram dadas quando se formava. Mas, incrivelmente, as suas contribuições à sua alma mater não avançam devido, essencialmente, à falta de visão dos respetivos dirigentes universitários. Com uma maior abertura por parte da academia e com algumas alterações legislativas que permitam maior flexibilidade, não há razão para que não haja uma cada vez maior transferência do estrangeiro para Portugal de conhecimentos cruciais.

Com esta estratégia em tenaz, começaríamos a ver cada vez mais startups portuguesas a atingir grande dimensão, com os seus centros de decisão e atividades de alto valor acrescentado a manterem-se em Portugal. Juntamente com outras medidas, depois de haver uma audição pensada e metódica de muitos dos atores envolvidos, começaríamos a tornar o nosso ecossistema tecnológico verdadeiramente autossustentável.

Portugal tem feito um percurso impressionante em direção ao El Dorado do séc. XXI. Mas falta ainda percorrer um longo caminho e de muitas mudanças para que tenhamos uma Salesforce sedeada no país e uma conferência como a Dreamforce numa cidade portuguesa.

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