Re-inventar o tempo para imortalizar a realidade

Os produtos nascem e desaparecem, é algo que não controlamos. Verdade! Mas sobre as marcas, e sobre os objectos que realmente nos marcam, a história, essa, já nos diz o contrário.

Gosto de acreditar que os profissionais da criatividade são os peritos a criar o futuro, ou pelo menos a prever ou a antever os tempos vindouros. Conseguem pro-jectar e re-inventar o tempo através da produção de novos conceitos.

Gosto também de acreditar que a construção através de imagens e de sinais que não têm qualquer contacto, ou seja a conceptualização, é o seu campo de actuação. Quanto mais rápido é este processo de conceptualização, mais rápida é a reinvenção do tempo, mais rápida é a invenção da obsolescência. Logo, se há a possibilidade de criar e definir o quando, o como e o porquê dos objetos, há também o poder de os anular. Ou de os ressuscitar! Esta dicotomia entre criação e anulação será sempre a grande responsável pela definição e redefinição das modas culturais. Apraz-me dizer então, que as “profissões da criatividade” não podem, nunca, ser consideradas como atividades neutras. Pois, consciente ou inconscientemente, os criativos dedicam-se, de forma muita ativa, a moldar a cultura, a reinventar o tempo e a definir a realidade.

Os produtos nascem e desaparecem, é algo que não controlamos. Verdade! Mas sobre as marcas, e sobre os objectos que realmente nos marcam, a história, essa, já nos diz o contrário.

Veja-se o que vestimos e calçamos actualmenete. Todos nós com os ressuscitadas Adidas Gazelle, com os Puma Suede e com os Nike Cortez. Serão os mais confortáveis? Pouco importa. Já não é essa a função destes ténis, 30 ou 40 anos depois da sua criação.

Vemos no cinema e na televisão sucessos como Super 8 ou Stranger Things, carregados com referências dos idos anos 70 e 80, carregados da cultura pop que tanto queremos e nos identificamos. Carregados de nostalgia. E nós adoramos!

Até Bonnie and Clyde tiveram direito à sua reinvenção, com laivos de Natural Born Killers, na nova série produzida pela Netflix, The End of the F***cking World que nos está a satisfazer os olhos e a mente. Dois adolescentes maníaco-depressivos que têm tanto de desafinado como de irresistível.

São estas novas reinterpretações no presente que nos transferem para o passado. É este o poder da criatividade, dar-nos algo novo que nos transporta, que nos significa.

A criatividade acaba por ser na sua génese um sistema operativo de transformação ou adaptação da realidade que cada um reinterpreta da sua maneira. Na base dessa construção está a simbolização, ou seja, compartilhar regras de linguagem, hábitos, costumes e ideias. As marcas, sejam elas de que tipo forem, têm este poder de simbolizar, relacionar e estabelecer laços entre os seus utilizadores, e entre si próprias. Estão carregadas de símbolos, e, são elas próprios símbolos, que possibilitam a aproximação do utilizador. Os símbolos ao fazerem a reunião conceptual entre o que nos marca e o utilizador, tornam-se na expressão visual de uma filosofia ou de uma cultura que nos toca, que nos atravessa, que nos consome. Que nos dá vida!

As marcas, ou tudo aquilo que nos marca, se preferirem, são as unidades identificadoras, são os sinais convencionais, são uma re-união eficaz e eficiente de um significado e de um significante para traduzir e veicular ideias, para nos conduzir um posicionamento, para nos dar uma realidade, que pode em grande parte das vezes, ser... uma realidade velha. E nós preferimos essas, as velhas! Carregadas de significado, carregadas de vida.

Acredito, talvez de forma ingénua, que existe um sem número de possibilidades e um enorme maior ainda de incertezas, que acabam por ser os factores que ditam a invenção ou a reinvenção do tempo, definindo, redefinindo e recuperando até, as consequentes mudanças culturais.

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