Físico português é o director de novo instituto para as cidades, em Chicago

Luís Bettencourt estudou engenharia física no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, e já há 25 anos que está fora de Portugal. Agora começou a dirigir o Instituto Mansueto para a Inovação Urbana, nos Estados Unidos.

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Luís Bettencourt é o primeiro director do Instituto Mansueto para a Inovação Urbana Nuno Ferreira Santos

Na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, o recém-criado Instituto Mansueto para a Inovação Urbana tem como seu primeiro director o físico português Luís Bettencourt. “A universidade queria ser pioneira e liderar esta área das ciências urbanas”, diz ao PÚBLICO. Como nos últimos anos, o trabalho do físico tem sido sobre a dinâmica das cidades, ele aceitou este desafio e lidera agora um “laboratório” sobre urbanismo.

“Houve um processo internacional para procurar um director”, explica o físico, que desde Julho último é oficialmente o director do instituto. “É incrivelmente curioso e pode convencer pessoas de várias áreas da ciência a produzir uma compreensão inovadora das cidades e da urbanização”, disse a socióloga Kathleen Cagney, presidente do comité que seleccionou Luís Bettencourt, num comunicado da Universidade de Chicago. “Pensa cuidadosamente sobre princípios fundamentais do ensino do urbanismo e como podem ser aplicados em diferentes contextos, particularmente nas cidades por todo o planeta.”

O instituto surgiu graças ao donativo de 35 milhões de dólares (31 milhões de euros) de dois antigos alunos da Universidade de Chicago: Rika e Joe Mansueto, fundadores da Morningstar, uma empresa de dados e análises de investimentos. E qual o orçamento anual? “Ainda há alguma incerteza, já que estamos a crescer rapidamente este ano. Mas, em geral, é 5% do donativo”, responde o físico.

O objectivo do instituto é criar ligações locais, nacionais e estabelecerá contactos com a China, Europa, Índia ou a América Latina. “Criar melhor ciência sobre as cidades, assim como conhecimento integrado com iniciativas de planeamento e de melhoramento das cidades”, diz ainda Luís Bettencourt.

Quanto aos investigadores, o físico frisa que ainda estão a ser contratados e que tratarão de áreas que vão desde as ciências cognitivas e a arquitectura, passando pelo “design”, a sustentabilidade, o desenvolvimento de bairros e crescimento económico até aos sistemas de inovação. E, as cidades portuguesas, poderão ser estudadas neste novo instituto? O físico espera que sim.

De Lisboa a Chicago

Como chegou Luís Bettencourt, de 48 anos, aqui? Cresceu em Paço de Arcos e frequentou engenharia física no Instituto Superior Técnico, em Lisboa. Outras cidades se seguiram. Londres foi a primeira, em 1992, onde estudou física teórica e cosmologia, no Imperial College. “Queria ter uma experiência de investigação ao mais alto nível e em Portugal só é mais fácil agora. Naquela altura, queria ter um bocadinho de aventura, por isso fui para Londres.”

Depois partiu para a Universidade de Heidelberg, na Alemanha. Só ficou um ano, seguindo-se os EUA. Aí começou no Laboratório Nacional de Los Alamos, passou pelo Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT). E, até à direcção do Instituto Mansueto, era investigador no Instituto de Santa Fé, no Novo México.

“Físico teórico é a minha formação, mas sempre tive interesse em pessoas e sociedades humanas, especialmente tendo crescido em Lisboa nos anos 70 e 80, uma sociedade em mudança”, conta. Começou então a ficar interessado em sistemas complexos, como as cidades. Na última década, surgiram mais informações quantitativas disponíveis sobre as cidades, que os físicos podem usar para investigação: “Um físico pensa em princípios e ideias que organizam um sistema, para ver como ele funciona do ponto de vista fundamental.”

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Luís Bettencourt vai dirigir um instituto que resultou de um donativo de 31 milhões de euros Nuno Ferreira Santos

Até porque, como escrevia Luís Bettencourt num comentário na revista Nature em 2010, com Geoffrey West, também do Instituto de Santa Fé, as cidades estão em pleno crescimento. Se em 1950 tinham 30% da população mundial, agora atingiram mais de 50% e prevê-se que em 2050 chegue aos 80%. “As cidades são interessantes porque nos forçam a entender como é que as oportunidades ou as redes sociais existem no espaço e no tempo, como é a vida de cada dia, como é que as pessoas interagem e como gastam o seu dinheiro e tempo”, considera. “Mas depois temos de pensar no processo de transformação das pessoas na cidade e construir modelos sobre o que se vai medir. A cidade não pode ser vista só do ponto físico, económico ou puramente social.”

Cidade = interacções sociais

Já em 2013, tinha publicado um artigo científico na revista Science, onde definiu uma fórmula com as características unificadoras de todas as cidades do mundo, como a área, a densidade urbana, as infra-estruturas, o PIB per capita, a criminalidade e os contactos entre as pessoas. “Tudo isso são propriedades de todas as cidades. O que é interessante é que todas estas quantidades – que podem parecer diferentes à partida – estão ligadas pela natureza das redes sociais e de infra-estruturas urbanas, tendo em conta a escala”, diz-nos.

Esse trabalho pretendeu construir um novo conceito de urbe e contribuir assim para o planeamento de uma cidade. “Uma cidade não é um grupo de pessoas, é um grupo de interacções sociais”, dizia, na altura, ao PÚBLICO. “Uma cidade que permita interacções sociais e económicas entre toda a gente com pequenos custos – incluindo transportes ou a justiça – é, em geral, uma cidade com sucesso”, explica agora.

E o sobre Portugal? “Em geral, não estudei muito Portugal porque é um país pequeno e tem muitas cidades”, justifica. Mesmo assim, em 2014, publicou um artigo na revista Journal of the Royal Society Interface baseado em comunicações telefónicas de pessoas residentes em grandes e pequenas cidades no Reino Unido e em Portugal, e que inclui cientistas do MIT e engenheiros informáticos de empresas de telecomunicações europeias.

A partir dos registos das chamadas telefónicas, a equipa percebeu que o seu número e o número de interlocutores aumentava conforme o tamanho da localidade. “Os resultados indicam que, à medida que as cidades ficam maiores, o nosso número de contactos sociais aumenta [de uma forma supra-linear]”, dizia ao PÚBLICO em 2014. Havia ainda outro “dado surpreendente”: independentemente do tamanho da cidade, a probabilidade de os amigos se conhecerem entre si não se altera. Por isso, concluíram que as pessoas se organizam instintivamente em comunidades sociais compactas.

E haverá uma cidade ideal? “Às vezes digo a brincar que é como os nossos filhos: gostamos de todos, mas todos são diferentes.” 

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