Mário, preparado?

As grandes decisões do Eurogrupo não são tomadas nas reuniões mensais. São trabalhadas, palavra a palavra, em centenas de conversas prévias. Centeno não vai parar muito tempo em Lisboa.

Mário Centeno recebe hoje o testemunho da presidência do Eurogrupo — e passou já toda a semana em contactos preparatórios. Por esta altura, é natural que o nosso ministro das Finanças já tenha percebido o que tem pela frente. “É um trabalho que é bastante exigente de coordenação e de uma procura de gerar consensos”, disse esta segunda-feira em Bruxelas.

“Exigente” é dizer pouco. Na entrevista que deu ao PÚBLICO há um mês, a primeira enquanto presidente eleito, Centeno garantia que não ia mudar a orgânica do Ministério das Finanças — e que aguentaria os dois cargos sem prejudicar a sua primeira função. A verdade é que isso só é possível se Centeno aceitar ser um mero gestor de situação — e abdicar de ser um verdadeiro líder do Eurogrupo. Não é, claro, a sua intenção.

O cargo é, realmente, “muito exigente” — porque só pode ser desempenhado com eficácia se Centeno trabalhar muito nos bastidores. É que as grandes decisões sobre o presente e futuro do euro não são tomadas nas reuniões mensais dos ministros — sejam elas feitas em Bruxelas ou em Lisboa. São trabalhadas, palavra a palavra, em centenas de conversas prévias, quase sempre a dois, com cada um dos 19 governos que a compõem. Só elas podem desbloquear os “consensos” de que Centeno tanto tem falado, entre os países do Norte e os do Sul, entre os que têm défices externos e excedentes, entre os socialistas e os conservadores, entre os técnicos e os políticos. 

Os consensos que já são difíceis no dia-a-dia, vão ser ainda mais exigentes quando na agenda do Eurogrupo está a reforma da zona euro — da banca aos défices, passando pelas políticas de coesão, em que não faltam interesses em conflito. Até hoje, ao dia em que a nova etapa começa, Mário Centeno tem sido hábil na gestão do cargo que vai assumir. Cada palavra que diz em público é tão densa a olhar para trás como inócua a falar do futuro. Agora que começa a viagem, vai ser preciso construir um discurso. 

A cadeira em que Mário Centeno se vai sentar é das mais desconfortáveis da Europa. A sua margem de manobra é curta, mas a sua influência (até para benefício da posição portuguesa) só será real se for trabalhada nos detalhes, influenciando com subtileza cada um dos dossiers que lhe forem chegando à mesa. 

Centeno já provou ter qualidades para agarrar o lugar. Como não lhe vai restar muito tempo, terá de saber também confiar a Mourinho Félix, seu número dois, o essencial do papel de ministro das Finanças de Portugal.

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