Os novos equilíbrios europeus

Portugal está a regressar ao sítio onde estava antes da crise, no centro dos consensos europeus, de preferência com um papel activo.

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1. Por mais voltas que se dêem às razões que levaram os governos europeus a escolher Mário Centeno para presidir ao Eurogrupo, a sua escolha é um sinal inequívoco daquilo que está hoje a mudar na Europa. Não pode ser menorizada nem sequer totalmente explicada pela rotatividade regional ou política que costumava determinar a distribuição dos diferentes cargos europeus. Já deve ser lida, também, como o início de uma nova fase em que a Europa precisa de sarar as feridas abertas por sete anos em que viveu em modo de sobrevivência e em que a Alemanha teve o seu “momento unilateral”. A forma como a imprensa europeia e americana reagiu à escolha do ministro das Finanças português reflecte essa mudança. ”Virar a página da austeridade” foi talvez a expressão mais utilizada, ou então, “uma decisão simbólica”. Percebe-se porquê. Portugal foi um dos quatro países resgatados, na sequência da crise da dívida. Os custos da austeridade foram brutais. Quando o Governo de António Costa tomou posse (Novembro de 2015) com Mário Centeno nas Finanças e o apoio parlamentar de dois partidos da extrema-esquerda, em Berlim e em Bruxelas temeu-se o pior. Centeno nunca escondeu ao que vinha: animar o crescimento da economia por via de uma política mais expansionista, que contrariasse os efeitos da austeridade no crescimento. Como hoje sabemos, foram os resultados do défice e da economia que transformam Centeno numa espécie de “herói” do Eurogrupo, cativando o próprio ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, e criando um novo clima de confiança no país.

2. Houve, de facto, uma viragem na Europa, que a Alemanha acabou por consentir, mas cuja primeira razão está na eleição de Emmanuel Macron para o Eliseu, em Maio do ano passado. O equilíbrio político entre Paris e Berlim, que a crise tinha praticamente destruído, começou a ser reconstruído desde essa altura. Macron tem a sua própria visão para o futuro do euro e da Europa. Precisa de um novo compromisso com a chanceler alemã para levar por diante a sua própria agenda de reformas internas, mas quer fazê-lo restituindo à França o seu velho papel liderante. Trouxe uma alma nova à Europa, derrotando a ofensiva do nacionalismo de Marine Le Pen. Berlim tem plena consciência do que lhe deve. Angela Merkel está a iniciar um quarto mandato em condições internas muito mais difíceis, apesar da pujança da economia e um excedente orçamental digno de inveja. O próximo governo de Berlim terá de enfrentar as exigências dos sindicatos, que querem ver os ganhos do rigor orçamental devidamente distribuídos, depois de um longo período de estagnação salarial. Perdeu-se a estabilidade política que marcou a República Federal desde o pós-guerra, mostrando que a Alemanha não era imune ao contágio dos extremos. A Europa continua à espera de um novo governo alemão que, com toda a probabilidade, será mais uma “grande coligação” com o SPD, o que agrada a Paris e aos países que esperam de Berlim que também vire a página. A escolha de Centeno encaixa na perfeição neste novo equilíbrio em fase de reconstrução. Por duas razões. A primeira foi a forma como conseguiu cumprir a disciplina orçamental, superando todas as espectativas. A segunda foi a forma como António Costa procurou reconstruir a política europeia do país, tendo em conta os novos equilíbrios europeus, definindo progressivamente uma estratégia que encaixa na reconstrução do eixo Paris-Berlim. Portugal está a regressar ao sítio onde estava antes da crise, no centro dos consensos europeus, de preferência com um papel activo. Centeno já anunciou as duas palavras-chave do seu mandato: consenso e paciência. Treinou as duas nos últimos dois anos, dando-lhe hoje, provavelmente, uma capacidade política que não tinha antes. Mesmo assim, não foi fácil.

3. Merkel resistiu até ao fim, ao contrário de Macron e dos socialistas europeus, inclinando-se para o ministro eslovaco, Peter Kazimir, um “conservador” socialista, do qual os socialistas não gostam, precisamente porque é um adepto da ortodoxia alemã. A chanceler olha com preocupação para a instabilidade política nos países de Leste, em boa medida, um prolongamento da economia alemã mas também a fronteira da Alemanha com a zona de instabilidade provocada pela Rússia. O problema é que a escolha do candidato eslovaco tenderia a ser vista como uma espécie de extensão de Berlim e não como o início de uma nova fase, de reconstituição da unidade europeia, que a chanceler também pretende. António Costa só obteve o sim definitivo quase na véspera da eleição, quando se encontrou com ela e com Macron em Abijan, numa cimeira entre a Europa e a África.

4. Na quarta-feira passada, realizou-se em Roma a quarta cimeira dos países do Sul da União Europeia: França, Espanha, Itália, Portugal, Grécia, Chipre e Malta. A iniciativa surgiu em 2016, a pedido do governo grego. Chegou a admitir-se que não duraria muito. Já vai na sua quarta edição e está a funcionar, para Macron, como um contraponto importante à ortodoxia do Norte e à instabilidade do Leste. A Europa sabe que não lhe resta muito tempo para reconstruir a sua unidade e enfrentar um mundo que lhe é cada vez mais hostil. Portugal sabe que não pode perder a credibilidade que ganhou nos últimos dois anos. É este o desafio.

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