Rui Chafes entre burros e rumores, entre Alemanha e Itália

Inaugura uma exposição com novas esculturas em Munique. A partir de Peregrinação Exemplar, o filme de Robert Bresson.

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No MACRO, o visitante vê Rumor em movimento, quando sobe ou desce num elevador de vidro

Depois de em Dezembro ter visto incluída uma obra sua na colecção permanente do Museu de Arte Contemporânea de Roma (MACRO), o artista português Rui Chafes vai inaugurar a 18 de Janeiro uma exposição com novas esculturas na Galeria Karin Sachs, em Munique — a mesma individual que já mostrara em Novembro em Düsseldorf, na galeria Ute Parduhn, também na Alemanha.

Dando forma a uma antiga obsessão, que se cruza com a sua biografia, Rui Chafes volta a Peregrinação Exemplar (1966), de Robert Bresson, um dos filmes da sua vida, realizado no ano em que nasceu, sobre a vida de um burro como animal de carga, mas também sobre a presença do sagrado, comum aos filmes do realizador francês e às obras do próprio Chafes. Partindo de uma imagem de alguns segundos na obra de Bresson, a série Balthazar (2017), nome do burro no filme, é composta por 14 esculturas de parede, fitas de ferro em suspensão, em que podemos projectar a imagem de um arreio, das rédeas que confinem ou prendem um animal. “Quis transformar essa imagem momentânea, de poucos segundos, numa série de desenhos de ferro que, por sua vez, ao serem expostos lado a lado, de forma compacta, criam um enorme desenho na parede. Transformo uma imagem de segundos numa forma perene, em ferro”, explica o escultor ao Ípsilon.

Já a obra Rumor, a instalação que desde Dezembro foi integrada na colecção permanente do MACRO, resiste mais à objectificação do que Balthazar — algo que o artista tem procurado evitar na sua obra. Com um título que não se sabe de onde vem — como o próprio nome da obra... —, Rumor (2015) foi apresentada pela primeira vez na Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra, numa exposição no Criptopórtico do Museu Nacional Machado de Castro, tendo sido agora doada pelo artista ao museu italiano.

Atingindo quase os cinco metros de altura, é composta por duas peças, dois elementos verticais encimados por duas bolas, que tal como em Coimbra procuram encosto numa esquina, pedindo emprestado, neste acto de se inclinarem uma sobre a outra, algumas qualidades antropomórficas.

No MACRO, o visitante nunca partilha o mesmo espaço com Rumor, vendo a obra em movimento, quando sobe ou desce num elevador de vidro, que percorre os vários andares do museu. “É como um travelling vertical de um filme”, explica Rui Chafes.

Foi na escala grandiosa da caixa de elevador que o escultor encontrou um espaço silencioso no MACRO, no meio da agitação do museu italiano. Aí, a obra surge-nos como um segredo, uma aparição inesperada, um rumor: “A beleza do lugar consiste, precisamente, na pureza daquela caixa de betão, minimalista e enorme, que parece uma capela de silêncio (tem qualquer coisa de japonês, sim...) no meio daquele ruído visual todo. As esculturas ficam completamente isoladas do espaço e do espectador. Estão radicalmente resguardadas de tudo.”

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