Livros e obrigações

O que tem quem tem muitos livros possivelmente bons para ler é sorte.

Os seres humanos são excelentes a criar obrigações — para os outros e para eles próprios. As obrigações são chatas mas dão óptimas desculpas, ocupam o tempo e combatem a solidão.

Dou o exemplo dos livros. As pessoas metem na cabeça que têm de ler os livros. Porquê? Porque devem ser bons. E como é que sabe se não os leu? À medida que o tempo passa vão acumulando estes livros que não leram até constituírem uma gigantesca biblioteca que atira uma sombra gélida e culpabilizadora sobre o leitor.

Os milhares de livros que tinha de ler e não leu transformam-se num objectivo impossível, um trabalho que precisaria de seis anos de leitura contínua, só parando para dormir. É assim que um simples livro que, fora poucas excepções, deve ser lido apenas porque dá prazer se torna uma tarefa, um fardo, uma recriminação.

Só há uma maneira de resolver esta obrigação: é dissolvendo-a em riso. O que tem quem tem muitos livros possivelmente bons para ler é sorte. Tem muita sorte de ter tanta coisa que ainda não leu. Aquele tempo todo que não gastou a lê-los foi, afinal, um investimento ou uma poupança, coleccionando livros para um futuro cheio de leituras boas. Faz inveja.

Claro que é preciso largar um livro no momento em que deixa de divertir, entreter, empolgar, distrair, comover. Para passar para o próximo, caso se tenha a sorte de ter um próximo para ler. Já as pessoas que lêem muito não têm essa sorte e gastam muito tempo a ler bocados de livros, à procura dum livro que lhes dê prazer.

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