Marcelo está mais preocupado com Angola do que com decisão sobre a PGR

Presidente não falará sobre a recondução de Joana Marques Vidal até ao momento de decidir sobre o nome que o Governo propuser. Até lá, tem outras prioridades, como o caso Manuel Vicente.

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Marcelo e Costa têm insistido junto do Presidente angolano que o caso Manuel Vicente é da exclusiva competência do Ministério Público EPA/MIGUEL FIGUEIREDO LOPES

O Presidente da República não quer ouvir falar, para já, da substituição de Joana Marques Vidal como procuradora-Geral da República e não gostou que o Governo tivesse feito declarações antecipadas sobre o assunto. A nota que sentiu necessidade de emitir ao fim da tarde desta quarta-feira deixa isso muito claro. Até Outubro, momento em que o mandato de Marques Vidal termina, o chefe de Estado tem muitas outras prioridades. Com Angola à cabeça.

O PÚBLICO sabe que Marcelo Rebelo de Sousa está muito preocupado e atento às consequências do caso Manuel Vicente, o ex-vice-presidente angolano que deveria começar a ser julgado por corrupção activa no próximo dia 22 em Lisboa, caso as autoridades de Luanda tivessem notificado o suspeito, como pediu a justiça portuguesa. Ora, isso não aconteceu e o caso vem contaminando as relações entre os dois países, num diferendo jurídico-político que está num impasse e vem subindo de tom.

Esse bloqueio jurídico foi mesmo considerado pelo primeiro-ministro como “o único irritante” nas relações entre os dois países. Após o encontro com o Presidente de Angola, João Lourenço, à margem da cimeira entre a União Europeia e a União Africana em Novembro, em Abidjan, António Costa referiu-se à impotência do poder político português perante as decisões da justiça. "Ficou claro que o único irritante que existe nas nossas relações é algo que transcende o Presidente da República de Angola e o primeiro-ministro de Portugal, transcende o poder político e tem a ver com um tema da exclusiva responsabilidade das autoridades judiciárias portuguesas", vincou Costa. Uma preocupação que comunga com Marcelo Rebelo de Sousa.

No cerne da questão estão decisões do Ministério Público, dirigido pela Procuradoria-Geral da República (PGR), pelo que os dois assuntos não estão assim tão distantes como poderia parecer à primeira vista. Isto, porque, desde que foram conhecidas as suspeitas imputadas ao antigo número dois de José Eduardo dos Santos, que a defesa deste e a justiça angolana já alegaram a imunidade de Manuel Vicente e pediram a transferência do processo para Luanda, pedidos recusados pela PGR.

Por seu lado, as autoridades angolanas têm recusado o auxílio às congéneres lusas, não cumprindo a notificação para interrogatório de Vicente e a sua constituição como arguido, pois não só consideram que este tem imunidade como estaria ao abrigo de uma lei de amnistia publicada por José Eduardo dos Santos em 2016. É neste impasse jurídico que o processo chega a julgamento, altura em que os juízes terão de tomar uma decisão, que pode passar pelo seu adiamento sine die, a separação do processo de Vicente em relação aos outros três arguidos ou a declaração de contumácia (à revelia), se tal for considerado aplicável.

Paralelamente, a pressão política também tem subido de tom. Na segunda-feira, o Presidente angolano considerou ser “uma ofensa” a forma como Portugal deu a entender que não confia na justiça angolana para lidar com o processo. “Lamentavelmente, Portugal não satisfez o nosso pedido [de transferir o processo de Portugal para Angola], alegando que não confia na justiça angolana”, disse João Lourenço, afirmando que Angola “não aceita este tipo de tratamento”. Se o desfecho não for favorável ao país africano, “Portugal tomará, a seu devido tempo, conhecimento das posições que Angola vai tomar”, asseverou o Presidente.

No dia seguinte, na mesma entrevista à TSF em que deu por certo o fim do mandato de Joana Marques Vidal em Outubro, a ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van Dunen, afirmou o mesmo que Costa tinha dito em Novembro: “Este é claramente um processo judicial e é no espaço judicial que deve ser tratado”. De acordo com a ministra, a posição assumida por João Lourenço “não é surpresa para o Governo português”, mas sublinhou que “a única intervenção" que o executivo teve foi o "encaminhamento de um pedido de transferência do processo que veio pela via diplomática” para as entidades judiciais, a quem compete “fazer esta avaliação”.

Na resolução da Assembleia da República que aprovou a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal assinada pelos Estados membros da CPLP, define-se que, em matéria judicial, a autoridade central para efeitos da aplicação da Convenção é a PGR. E é aqui que reside a impotência diplomática de Belém e São Bento: nenhum poder político tem legitimidade para dar indicações ao Ministério Público em matéria judicial, tendo a PGR soberania e liberdade para decidir, mesmo que os políticos não gostem.

Do que Marcelo Rebelo de Sousa não gostou foi de ouvir anunciar o fim do mandato de Joana Marques Vidal dez meses antes de a questão se colocar. Depois de dizer à SIC que o assunto era um não-tema neste momento, o Presidente emitiu uma nota em que afirma que só se pronunciará sobre designações para estes cargos no momento em que deve ocorrer tal designação e sugere que o Governo deve fazer o mesmo.

"Relativamente a poderes constitucionais de designação de titulares de órgãos do Estado, que, na sua quase totalidade, depende de prévia proposta do Governo, o Presidente da República apenas se debruça sobre a matéria no momento em que deve ocorrer tal designação. Esta posição do Presidente da República tem sido, aliás, sempre a do Governo", lê-se na nota publicada no site da Presidência. Tendo em conta as declarações da ministra da Justiça na terça-feira, a referência da nota presidencial pode ser interpretada como um aviso de que o assunto não deve ser abordado com dez meses de antecedência. com Ana Henriques

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