Outro destino para três teatros de Lisboa

A petição que circula criticando a decisão da Câmara de Lisboa, assinada por pessoas que tanto prezo, não me convence.

A 17 de dezembro passado, a vereadora com o pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Catarina Vaz Pinto, numa entrevista a este jornal, informou o que a câmara decidiu quanto ao futuro do Teatro Maria Matos (MM) e ao de duas salas que agora são geridas pela EGEAC, o Teatro Luís de Camões (LC), na Calçada da Ajuda, e o Teatro do Bairro Alto (BA), durante muitos anos sede da Companhia Teatro da Cornucópia.

O destino a dar ao MM tem sido criticado, que eu saiba, quer no Facebook, quer numa reunião de colaboradores e amigos do teatro, quer ainda através de uma petição que continua a circular recolhendo adesões.

O MM foi inaugurado em 1969 e era uma sala gerida por particulares, casa de algumas companhias, que faziam o que hoje em dia se chama, muitas vezes depreciativamente, “teatro comercial”. Para mim, “teatro comercial” é o que se paga na bilheteira e ainda dá lucro. Como qualquer tipo de espetáculo, pode ser ótimo, ou não.

Em 1982, o MM foi comprado pela CML, deixando de ter companhia residente e acolhendo vários tipos de espetáculos. Em 2003, passou para a gestão da EGEAC, muito degradado, e teve obras profundas e comprou-se bom equipamento, reabrindo em 2006.

Em 2008, a CML decidiu que o teatro se haveria de vocacionar “para a contemporaneidade performativa”, isto é, para teatro, dança, performance, música, espetáculos que combinam tudo isso, em que se ensaiam formas de expressão “inovadoras”, que contribuem para a evolução das artes e que em regra suscitam a adesão de poucos.

O MM é uma sala desadequada à apresentação desse género de espetáculos. Por diversas razões que resultam da arquitetura do espaço: capacidade da sala, relação do palco com o público, rigidez da configuração dessa relação, existência de um só palco, inexistência de uma sala de ensaios (a que, em tempos atrás, servia para uma fase de ensaios muito inicial, de reduzidas dimensões, passou a acolher, de forma acanhada, uma boa programação de artes para crianças e jovens). Isto era reconhecido e dito por Mark Deputter, até há pouco o diretor artístico do MM. Lembro-me de me contar que programava “contra a sala”. Quem frequentasse o teatro sentava-se amiúde em bancada colocada na plateia ou no palco, porque os espetáculos assim o exigiam. 

Havendo ao tempo só mais um local, a Culturgest, com uma programação “contemporânea”, o que o MM apresentava, apesar de desajustado ao espaço (o que também em parte sucede com a Culturgest), fazia falta a Lisboa.  

Entretanto, o número de sítios onde esse tipo de programação se faz aumentou. O S. Luiz, o D. Maria II, o Teatro do Bairro, e vários outros que não se assemelham a salas de teatro, acolhem esse género de espetáculos. Com Luísa Taveira à frente da programação do CCB haverá também que contar com ele. A meu ver abundam em Lisboa os espaços dedicados à criação “contemporânea”.

A Cornucópia extinguiu-se e a sala, o BA, foi devolvida ao proprietário, que fazia tenções de lhe dar destino diferente. Quando soube, a CML substituiu-se ao Ministério da Cultura, passando ela a ser a inquilina, para que o BA se mantivesse dedicado às artes. 

O BA tem a configuração do que se se chama black box, uma caixa, sem janelas, com uma enorme flexibilidade para apresentação de espetáculos. Um bom espaço para espetáculos “contemporâneos”. A lotação da bancada que lá foi posta é de 180 lugares. A CML fez obras no LC que, dizem-me, ficou como novo, bem equipado e confortável, com uma lotação de 175 lugares.

É a boa altura de ajustar a arquitetura das salas à sua programação. A “contemporaneidade performativa” que se fazia no MM, passa para o BA, onde ela se sente bem. A programação para crianças e jovens que antes se desenvolvia no mesmo MM, bem como as pessoas por ela responsáveis, vão para o LC, com muito melhores condições do que no acanhado espaço onde viviam. O MM é devolvido à sua vocação original, abrindo-se concurso para quem queira tomar conta da sala. Com os excelentes atores que existem, de quem as pessoas gostam muito sobretudo via telenovelas, com espetáculos atraentes de carreiras longas, a sala pode ser rentável, admito, com uma programação diferente das comédias do Teatro Villaret, dos diversos que vão ao Teatro Armando Cortez, ou ao Tivoli ou Casino de Lisboa, estas duas últimas salas de grande dimensão.

A petição que circula criticando a decisão da CML, assinada por pessoas que tanto prezo, não me convence. Diz que o município gastou ali muito dinheiro em obras e equipamento e agora vai dá-lo a privados. O investimento feito foi-o antes do destino “contemporâneo” dado à sala, e era indispensável para se manter operacional. Quem explorar o MM não fica com um excelente negócio, antes arrisca o seu dinheiro e o seu trabalho e a CML deixa, pelo menos, de ter despesa com o teatro. A cidade não fica mais pobre, enriquece-se porque se diversifica o que as pessoas podem ver e adequam-se os espaços às funções. Até aqui havia uma sala dedicada ao contemporâneo, incluindo o dirigido ao público mais novo. Vai passar a haver três, uma para o “contemporâneo”, outra para o “contemporâneo” só para crianças e jovens, a terceira para espetáculos que se pagam na bilheteira, em cada uma se harmonizando o espaço à função. Não se desperdiçam contactos e redes internacionais, porque quem os tem não é o teatro, a sala, são as pessoas, os programadores que ali trabalharam e levam consigo esses contactos. Este é um tipo de decisão que não carece de discussão pública. Quem foi eleito para dirigir a política cultural da câmara deve definir o destino dos seus equipamentos, ouvindo quem quiser, se quiser, e assumindo as suas responsabilidades. 

Resta ver quem vai tomar conta destas salas. Aí se joga tudo. A probabilidade de serem escolhidas pessoas competentes é elevada. Para o LC vai, como foi anunciado, a equipa, dirigida por Susana Menezes, que estava no MM a fazer excelente trabalho. Para as outras duas salas há bons candidatos possíveis. Vamos ver quem aparece. Espero que o futuro demonstre o ajuizado desta solução.        

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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