Justiça laboral e familiar pode regressar aos tribunais de proximidade

Foi o pacto possível. Advogados inviabilizaram medidas mais musculadas no combate à criminalidade económico-financeira. Bastonário só apareceu à última hora no palco das negociações.

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Manuela Paupério, da Associação Sindical de Juízes Portugueses Miguel Manso
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António Ventinhas, presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público Miguel Manso

Fazer com que os litígios laborais e familiares voltem a ser julgados nas dependências dos tribunais mais próximas dos queixosos, como de resto acontecia até 2014, é uma das medidas que consta do pacto da justiça firmado nesta sexta-feira em Tróia, e que, a ir por diante, beneficiará sobretudo quem habita no interior do país.

A ideia é que nos chamados núcleos e nas chamadas secções de proximidade dos tribunais, que com frequência são meros balcões de atendimento para questões judiciais — uma vez que poucos julgamentos ali se realizam —, passem a ser julgados litígios relacionados com despedimentos e divórcios, por exemplo. Será mais um passo na chamada justiça de proximidade, na qual o Ministério da Justiça começou a investir quando, há um ano, reabriu aquilo que até 2014 eram tribunais de pleno direito.

As secções e núcleos não ficarão com magistrados residentes, mas estes terão de se deslocar obrigatoriamente às diferentes localidades da comarca em que trabalham para ali realizarem julgamentos laborais ou de família e menores.

Esta é uma das mais de 80 medidas acordadas por unanimidade entre juízes, procuradores, advogados, funcionários judiciais e solicitadores, 15 meses depois de o Presidente da República ter instado os parceiros do sector a assinarem um pacto.

As negociações ficam, porém, ensombradas pela recusa firme da Ordem dos Advogados em acolher algumas propostas no capítulo do combate à criminalidade económico-financeira: a penalização do enriquecimento ilícito e a utilização pela Justiça da delação premiada, mecanismo através do qual os criminosos arrependidos denunciam os seus cúmplices em troca de uma redução ou de um perdão da pena que lhes seria aplicada.

No que à delação premiada diz respeito, os solicitadores subscreveram a posição da Ordem dos Advogados, que recusou mesmo mexer nalguns detalhes da lei em vigor, o que permitiria operacionalizar mecanismos deste género que já existem mas que se revelam de fraca utilidade. Quanto ao enriquecimento ilícito, a discussão não chegou sequer a ter lugar, por indisponibilidade dos advogados.

Na conferência de imprensa desta sexta-feira, em Tróia, após uma maratona negocial de 48 horas, o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, mostrou-se muito desagradado pela falta de acordo nestes dois capítulos: “O que foi acordado no pacto é manifestamente insuficiente para resolver os problemas de criminalidade económico-financeira do país.”

Mas admitiu que a questão não se restringe aos advogados: “Não há consenso em Portugal no que respeita ao combate a esta criminalidade.” Por isso, concluiu, a bola fica agora do lado do poder político, a quem caberá tomar as medidas que entenda necessárias. Declarações que o bastonário dos advogados, Guilherme Figueiredo, criticou logo de seguida, por as considerar “excessivas”.

Medidas por divulgar

“Não se pode colocar a eficácia à frente dos direitos, liberdades e garantias”, observou. Ao contrário das restantes organizações envolvidas neste pacto, que tiveram os seus principais líderes em Tróia durante estes dois dias, Guilherme Figueiredo alegou questões de agenda para só comparecer no palco das negociações no final. Deixou uma delegação no seu lugar, atitude que lhe mereceu também críticas de outros parceiros.

No centro das atenções por razões que sabia não serem as melhores, o bastonário defendeu-se: “Não houve nenhuma organização ou entidade que tivesse sido um bloqueio. Existem convicções e percepções sobre aquilo que é a perspectiva que cada um tem da justiça.”

Não foram divulgadas as mais de 80 medidas acordadas, alegadamente por respeito ao Presidente da República, que delas não foi ainda informado.

Mas ao que o PÚBLICO apurou, os parceiros também estão de acordo em fazer baixar pelo menos algumas das custas judiciais, tornando a justiça mais barata. A sugestão passará, por exemplo, por fazê-las variar consoante o nível de rendimentos de quem recorra aos tribunais.

De acordo com uma nota da Associação Sindical de Juízes Portugueses, que liderou o processo, das conclusões aprovadas por unanimidade fazem ainda parte “o alargamento muito amplo dos mecanismos de comunicação da justiça”, “alterações nos mecanismos de cobrança, penhoras e vendas” e “implementação de mecanismos de agilização da investigação e repressão criminal no crime económico-financeiro”.

A representante dos juízes, Manuela Paupério, admitiu terem ficado de fora deste acordo temas importantes, por falta de consenso entre os agentes do sector. “Mas não é por causa desta falta de entendimento que o sistema judicial não funciona”, ressalvou. “É porque muitas vezes não é tido como prioritário pelo Governo, não sendo dotado dos meios” suficientes. E não se coibiu de dizer também que as mais de 80 sugestões só terão utilidade caso os poderes legislativo e executivo lhes dêem seguimento, transformando-as em diplomas legais. A exigência de melhores condições de trabalho nos tribunais faz também parte do documento.

Fernando Jorge, do Sindicato dos Funcionários Judiciais, tem contado como há oficiais de justiça que trabalham com mantas em cima, porque os tribunais são demasiado frios, ou como a falta de impressoras os impede de despacharem o serviço. A carência de oficiais de justiça é igualmente reconhecida por todos. 

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