Uma ameixoeira e “muitas horas a afinar moinhos”

Pedro Marmelo bebe “bicas” em qualquer lado, mas já não resiste a um Pacas de El Salvador, o café que o colocou com um pé no Campeonato Mundial de Baristas.

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Rui Gaudêncio
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Eram 15 minutos para chegar ao expresso perfeito, ao cappuccino que fizesse esquecer a espuma dos dias e a uma bebida de autor que marcasse aquele momento. “Pensei no seguinte: aquele café [que iria utilizar como base] tinha notas de maçã verde e de ameixa. Eu tinha uma ameixoeira em casa e nunca fiz nada dela. Decidi avançar para uma redução de açúcar, filtrei-a e consegui um xarope que depois fui adaptando.” Café com notas de ameixa, ou, por outras palavras, café com cheirinho.

Pedro Marmelo, portalegrense de 31 anos, venceu o Campeonato Nacional de Baristas, a 17 de Outubro, com o traço da ameixa e o creme de leite perfeito, desenhos na espuma incluídos. Há cinco anos, quando começou a estudar na Escola de Hotelaria e Turismo de Portalegre, pouco sabia de café. Gostava de beber bicas, como as chama, simplesmente. “Um dia, um professor perguntou-nos se sabíamos o que era um barista. Pensávamos que era alguém que trabalhava num bar. Só depois percebemos que havia mais ciência. Comecei a ganhar o gosto e ficava lá [na escola], depois das aulas, a trabalhar. Foram muitas horas a afinar moinhos, a perceber qual é o ponto exacto de extracção do café, como fazer o creme de leite”, o que envolve a qualidade da matéria-prima, noções sobre a temperatura e a emulsão, “se é com microbolhas de oxigénio, se queremos um creme de nível 1 ou nível 2”, aprofunda Pedro.

“Para as pessoas que chegam aqui e vêem-me fazer uma bebida, parece muito simples, mas há muito esforço e muitas horas de trabalho por trás”, explica o alentejano que vive em Badajoz, ao balcão do Centro de Ciência do Café (CCC), em Campo Maior, terra de João Nabeiro. Quando lhe perguntamos o que o fez agarrar-se à cafeína pelo lado independente de quem a prepara, Pedro sai em ricochete: “O que é que nós sabemos de café? É a pergunta que lanço a todas as pessoas.” O grão que chegou a ser a segunda mercadoria mais trocada do mundo tocou o palato português há mais de 300 anos, vindo das ex-colónias, e passou a fazer parte da nossa medida do tempo. Mas ao conhecimento sobre como prepará-lo e bebê-lo falta “diversidade”, acredita o barista.

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Por exemplo, num café expresso, a pressão com que se prensa o grão moído deve variar consoante a espécie da planta de que vem: se é Arábica ou Robusta. Já numa bebida mais próxima do refresco, talvez valha a pena esperar, com a ajuda do gelo, pela descida do café pelos balões e espirais de uma Kyoto Drip. “Quem manda aqui é sempre o café”, avisa Pedro Marmelo. Mas não é totalmente assim: a cultura tem a sua (pesada) quota-parte no processo. Nas competições de baristas, de uma forma geral, “querem-se torras mais ligeiras e, em Portugal, é precisamente ao contrário”. Temos a língua virada para o Robusta e para o amargor.

Ensinar? Aprender

Não estivesse o país em crise quando Pedro Marmelo terminou a formação em Educação e Formação de Adultos, com uma especialização em Gestão de Recursos Humanos, e talvez hoje não fosse com as mãos a cheirar a café para a cama. “A formação de adultos era uma área em que, naquela altura, não havia mercado de trabalho. A solução era tirar outro curso ou então avançar para um mestrado, mas sem garantias de nada. Decidi ir para o estrangeiro, para Amesterdão, à procura de ganhar experiência profissional. Estive numa empresa de eventos, mas era um trabalho que já não passava dali, que não me possibilitava crescer. Quando me quiseram dar um contrato para ficar fixo, vim embora”, conta o portalegrense.

Voltou aos ares da serra de São Mamede, com a ideia de provar que era possível fazer vida por ali, até porque acredita que “o Alentejo não é uma região deprimida”. Os sinais crescentes do turismo em Portugal deram o empurrão para o regresso a casa. Depois de dois anos na escola de hotelaria, convidaram-no para trabalhar no CCC, em 2014, ano em que a instituição recebeu o prémio de Melhor Museu Português. Há dias em que Pedro sai de detrás do balcão da cafetaria, onde serve bebidas e faz demonstrações recorrendo a vários tipos de grão e de máquinas — além de tentar convencer o mais alargado número de pessoas a não misturar açúcar no café —, e vai para as salas do centro investigar. “Estou sempre a aprender. Isto é como um livro na vida, em que todos os dias temos uma página nova para ler. E quando achamos que acabou e que já sabemos tudo, aparece um segundo volume.” Fora a vertente poética, convém mesmo não perder parágrafos, para não tropeçar perante perguntas sobre a origem do café, a história do fazendeiro ou o seu modelo de produção num concurso de baristas, como o Campeonato Mundial, que irá acontecer na Holanda, em Junho.

Pedro ainda não sabe que café vai levar para Amesterdão. “Depende das colheitas.” O que utilizou em Lisboa, para impressionar o júri presidido pelo grego Tasos Delichristos, pertencia à variedade Pacas e cresceu a 1500 metros de altitude, em Chalatenango , El Salvador. Foi já depois da lavagem, fermentação e torrefacção que Pedro Marmelo o embalou para fazer dele um expresso perfeito: “Uma chávena [de boca aberta, de preferência] com mais ou menos 30ml, com um creme avelã tigrado, bonito, persistente. E que, tomando sem açúcar, que é o que digo sempre às pessoas para fazerem, se consigam preservar os aromas 15 a 20 minutos no paladar.” Café com princípio, de fim demorado.

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