Um hotel, um templo e animais à solta

Há lugar para qualquer religião, para bom proveito à mesa e ainda dá para um passeio entre animais que têm raízes na Península Ibérica. Tudo em redor do Hotel Parque Serra da Lousã.

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Nelson Garrido
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O caminho lembra um mundo ruralizado, marcado pela quinta à esquerda e por dois cavalos, que nem olham à passagem do carro, do lado direito. Antes, uma série de curvas e contracurvas típicas da ideia que temos de uma chegada a zona de serra. Em Miranda do Corvo, este percurso entre animais e árvores — uma espécie de tributo à natureza — converge no local de repouso que é o centro destes vários caminhos: o Hotel Parque Serra da Lousã.

É ali o ponto de partida (ou de chegada) para as aventuras que se constroem à volta. Há nove anos, o Parque Serra da Lousã abriu com a missão de desenvolver um ecossistema de animais (e árvores) autóctones, ou seja, animais que estão ou passaram pela Península Ibérica. Há os casos conhecidos dos linces-ibéricos (que são substituídos pelos linces-asiáticos no parque) e dos ursos-pardos, mas podemos encontrar lamas ou lontras durante o passeio pela encosta.

E se encontramos a lontra a comer o peixe que pescou, paramos em frente aos lamas — sempre atentos — para recordar a forma como chegaram ao parque biológico. Estes lamas, que viajaram com destino a Miranda do Corvo oriundos do Peru, são os únicos animais que estão no parque e não são autóctones, mas têm uma boa desculpa para se resguardarem por cá. Vieram como “refugiados” de uma empresa de cosméticos, garantindo aqui um lugar onde possam mirar quem passa e ficar a observá-los.

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A integração, humana e animal, não é esquecida por quem trabalha diariamente nas várias instalações que rodeiam o parque. O trabalho solidário e inclusivo, que é parte do projecto da Fundação ADFP – Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional, começou em 2009, com a construção do Parque Serra da Lousã e o Museu da Chanfana — o restaurante que vemos logo à entrada e cuja especialidade é a chanfana, originária da região. Uma das prioridades da fundação era, e continua a ser, empregar quem continua a ter menos hipóteses de singrar fora destas instituições. Podemos encontrar um contabilista paraplégico ou um telefonista invisual a trabalhar na logística da ADFP, uma associação nascida em 1987 pela mão de Jaime Ramos. Aos 30 anos, a instituição de solidariedade social agrega cuidados com a infância, a formação de pessoas com deficiência, idosos e refugiados, por exemplo. Nos quadros da própria fundação, quase 40% dos colaboradores são portadores de deficiência motora ou mental. O único ponto que continuam à procura de corrigir são os acessos ao parque biológico para pessoas com deficiência motora.

É até bem provável que, ao vaguear entre os animais, encontre alguns guias com deficiência que o podem ajudar a localizar ou explicar alguns conceitos sobre o parque biológico. Há histórias para contar sobre cada um dos animais e um centro hípico mesmo ao lado de um pequeno rio, onde outros dois cavalos correm pela manhã.

O espaço amplo em que o hotel se situa permite soluções para toda a família. O seu mote é, aliás, ser family friendly, conjugando opções para pais e filhos. O próprio atendimento torna-se familiar pela dinâmica dos funcionários, que procuram criar um ambiente descontraído, sem que falte nada aos clientes. Os mais novos têm uma sala só para si, no piso inferior, onde não faltam os jogos e os brinquedos para se entreterem dentro do próprio hotel, sem terem de sair para o parque infantil ou o campo de jogos no exterior.

Para os mais activos — e adultos —, a sala de ginásio está sempre aberta e bem equipada. Mas quem pretende apenas relaxar durante a estadia, para além do conforto dos quartos, pode aproveitar a sala de massagens, o jacuzzi ou a piscina interior.

Os caminhos à saída do hotel não se esgotam no Museu da Chanfana ou no Parque Serra da Lousã, os dois primeiros espaços abertos pela mão da fundação, na Quinta da Paiva, uma antiga propriedade agrícola com 12 hectares reconfigurada para fins turístico. Antes de entrar na encosta onde grande parte dos animais mais exóticos se guardam, há uma quinta com pequenas casas a servirem de abrigo às ovelhas ou cabras mais convencionais. É a Quinta Pedagógica, que fica a meio caminho entre o parque biológico e a loja artesanal que agrega os produtos regionais, como os queijos, feitos a partir dos animais da quinta, e o artesanato criado pelos utentes da Fundação ADFP, cujas instalações ficam a dois quilómetros, em plena vila de Miranda do Corvo.

Praticamente a mesma distância que percorremos se atravessarmos o parque a pé até ao Templo Ecuménico, o projecto mais recente, aberto em Abril de 2017. Isto se estiver disposto a uma caminhada com uma inclinação algo acentuada. Se não, também há acesso de carro, por uma estrada pouco convencional, mas segura.

O templo procura dar espaço a todas as crenças e fés, ou mesmo a quem não tem nenhuma. Juntam-se símbolos de religiões, referências como o Pátio dos Gentios — um fórum aberto pelo Papa Bento XVI para construir um diálogo entre católicos e não-crentes em áreas de interesse comum — e espaços de reflexão e pensamento, acompanhados do “Silêncio” inscrito nas paredes, onde se acomodam também ecrãs a mostrar que a guerra vem de todas as direcções e que a multiplicidade de religiões é maior do que julgamos.

Os lugares que incitam à reflexão não se ficam pelo templo. A rota desenhada pela fundação para chegar ao Templo Ecuménico começa no Espaço da Mente, um local que funciona como uma cronologia histórica, percorrendo o tempo entre o Big Bang e o século XXI. O conceito central desta viagem no tempo é a liberdade. Navegamos entre os corredores do Espaço da Mente acompanhados pelos acontecimentos fulcrais para a evolução nas liberdades (de imprensa, religiosa ou política) e por uma viagem paralela entre o nascimento e a morte. Tudo numa visita de uma hora. 

Já se viu que o espaço que envolve o Hotel Parque Serra da Lousã está cheio de histórias para contar — para aguçar o apetite, Miguel Torga também tem um livro censurado exposto (Diário VIII). E ainda pode ganhar o privilégio de acordar, no meio de todo este sossego, e ver um lobo entre as árvores e um lama a espreitar num canto.

A Fugas esteve alojada a convite do Hotel Parque Serra da Lousã

Texto editado por Sandra Silva Costa

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