A América de 2080

Entre uma guerra mundial no espaço em 2050 e a luta do Ocidente por imigrantes, George Friedman prevê a ascensão dos EUA. A possível boa notícia deste exercício meio doido é que, a ser certeiro, Donald Trump não passará à história

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Prever o futuro é uma arte difícil e alguma coisa parece estar a complicar a tarefa ao mestre George Friedman, o célebre estratego e futurologista americano. O seu novo livro sobre os EUA foi anunciado para este 9 de Janeiro, depois foi adiado para 9 de Outubro e agora está agendada para 12 de Março de 2019.

Sendo o título The New American Century: Crisis, Endurance, and the Future of the United States, é possível imaginar que a previsão do novo século se tenha baralhado por causa de Donald Trump, que parece capaz de tudo, até de carregar no seu “grande botão nuclear”. Mas será?

Neste início de 2018, temos de contentar-nos com o livro que Friedman publicou em 2009, The Next 100 years – A forecast for the 21st century.

Um dos pontos centrais da tese é a transformação do trabalho. Os Estados Unidos terão uma enorme falta de trabalhadores o mais tardar em 2020 e a escassez vai agravar-se muitíssimo na década seguinte, pelo que o país vai precisar de imigrantes. Os EUA e o resto do mundo industrializado ao mesmo tempo, escreve Friedman. “No século XX, o problema foi limitar a imigração. No século XXI, o problema será atrair imigrantes suficientes.”

O ano de 2020 é também o de mais um “colapso” da Rússia, depois de 1917 e de 1991. Isso poderia abrir a porta a uma nova “época de ouro” norte-americana, “mas uma fortíssima crise económica interna causada pela falta de trabalhadores vai emergir, justamente, no momento em que o confronto com a Rússia terminar”. “Se a história nos pode guiar, essa crise deverá atingir o pico nas eleições presidenciais de 2028 ou 2032. Digo isso porque há um estranho — e não inteiramente explicável — padrão na história americana. Mais ou menos de 50 em 50 anos, os EUA são confrontados com uma crise social e económica determinante.” Estudando essa repetição histórica, Friedman conclui que “o problema emerge na década antes de a crise se tornar visível”, depois de uma “eleição presidencial crucial que muda o mapa político na década seguinte”.

Os futurologistas, como se diz sempre, podem arriscar sem perder o sono porque, de entre as previsões que fazem, mais ou menos informadas e eruditas, sabem que vão errar algumas e acertar outras — mas sobretudo que muitos de nós já cá não estaremos para verificar.

“A seguir, a crise será resolvida e os EUA florescem”, escreve Friedman. “Ao longo da geração seguinte, a solução encontrada para o problema velho gera um problema novo, que se intensifica até que surge uma nova crise, e o processo repete-se.” Por isso, “para se perceber a razão pela qual eu acredito que vamos ver uma crise nos anos 2020, é importante compreender este padrão em pormenor”.

Na História americana, os EUA tiveram quatro destes ciclos completos e o quinto está a meio. Os ciclos são George Washington-John Quincy Adams; Andrew Jackson-Ulysses S. Grant; Rutherford Hayes-Herbert Hoover; Franklin D. Roosevelt-Jimmy Carter. O quinto ciclo abriu com Ronald Reagan e acabará nas presidenciais de 2028 ou 2032. Por essa altura, antevê Friedman, os EUA estarão a responder à crise da falta de mão-de-obra com um “aumento rápido e dramático de imigração”.

“É difícil imaginar hoje, em 2009, que os países mais avançados estejam a competir por imigrantes”, mas é isso que vai acontecer. Esses “trabalhadores importados” serão de dois tipos e de duas classes sociais: os que vão apoiar a população envelhecida (médicos e empregados de limpeza/auxiliares não diferenciados) e os que vão desenvolver as novas tecnologias necessárias para aumentar a produtividade, por sua vez necessária para enfrentar a falta de mão-de-obra (engenheiros e operários das fábricas onde se produz a tecnologia). Este novo fluxo de imigrantes será o maior que os EUA viram entrar desde 1880-1920. E assim, com todas estas peças no lugar, nos anos 2040 vamos assistir a um desenvolvimento económico semelhante ao que o país teve nos anos 1950-60.

Antes disso, Friedman — fundador da Stratfor, descrita na edição de 2009 da Anchor Books como a “principal empresa privada de intelligence e previsão do mundo” e actual presidente da revista Geopolitical Futures — prevê uma guerra mundial a meio do século, mas não total, a ter lugar no espaço e entre um bloco liderado pelo Japão e outro pelos EUA. Tal como aconteceu nos anos 1950 na Antárctida, a superfície da Lua será ocupada por várias nações com bases de investigação, sendo os americanos e os japoneses os mais ambiciosos. “Por volta de 2040, os japoneses terão uma colónia de peso a funcionar na Lua e terão criado enormes câmaras subterrâneas.” O trânsito de e para a Lua será comum e discreto.

Para o século XXI, Friedman prevê ainda que a China não vai tornar-se uma grande potência mundial e que a Turquia aumente de forma significativa a sua esfera de influência regional e a sua força no mundo — e que o poder europeu vai deslocar-se para leste, com a Polónia no centro. Isto em 2050.

Por esta altura, o uso de robôs já deu os passos sérios para ser generalizado na década de 2060. E desse modo, ironicamente, os imigrantes atraídos para desenvolver a tecnologia que era necessária porque havia poucos trabalhadores vão fazer com que se corte, de novo, a entrada de imigrantes nos EUA.

“Uma vez mais, a solução para um problema será o catalisador do problema seguinte. É esta situação que cria o cenário da crise de 2080.” Isto porque os robôs têm uma diferença fundamental em relação às tecnologias que, no passado, reduziram a necessidade de trabalho humano: o seu principal propósito não é responder à falta de força de trabalho humano — é substituir os humanos.

Sabemos que ao longo da História vários escritores de ficção conseguiram projectar-nos no futuro e avisar-nos de como seria o mundo de amanhã. Antes de George Orwell, H. G. Wells e Júlio Verne, já Felix Bodin publicara em 1834 um livro cuja acção se passa no século XX num país chamado Benthamia, onde decorre a sessão anual do Congresso Mundial, um parlamento do mundo que está em constante movimento (e que se reúne na terra, no ar e no mar), antecipando em quase um século o nascimento da Sociedade das Nações, predecessora da ONU.

A possível boa notícia deste exercício meio doido é que, a ser certeiro, Donald Trump não passará à história, a não ser, talvez, como o exemplo perfeito de um político imbecil.

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